Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich
Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Quando palestinos e israelenses caminham juntos

Um respiro de humanidade em meio à barbárie da guerra

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Segunda-feira, dia 23. Uma pausa na guerra. Um raio de luz na escuridão. Um fio de esperança na humanidade. Duas reféns do grupo terrorista Hamas foram libertadas e entregues aos trabalhadores da Cruz Vermelha, na fronteira egípcia.

Uma delas, Yocheved Lifshitz, de 85 anos, no momento em que estava sendo libertada, virou-se para um dos seus algozes, apertou-lhe a mão e se despediu com um "shalom" —paz em hebraico. O militante, mascarado e armado, respondeu "salamtek", algo como se cuide.

Yocheved Lifshitz, 85, durante coletiva de imprensa em Tel Aviv após ter sido libertada pelo grupo terrorista Hamas
Yocheved Lifshitz, 85, durante coletiva de imprensa em Tel Aviv após ter sido libertada pelo grupo terrorista Hamas - Erik Marmor/AFP

Como alguém que acabou de passar dezesseis dias por um "pesadelo inimaginável", expressão utilizada por ela à imprensa, consegue apertar a mão do seu captor, olhar fundo nos seus olhos e desejar... paz? Não é impensável suscitar a paz no meio de um bombardeio, dias depois de assistir a um massacre tão cruel e sangrento no kibutz onde mora?

Não para Yocheved. Ela, que passou a vida defendendo a convivência pacífica entre judeus e palestinos, junto com seu marido Oded Lifshitz, de 83 anos (que continua refém do Hamas). Durante mais de uma década o casal levava palestinos doentes da Faixa de Gaza, todas as semanas, da fronteira de Erez para os hospitais em Israel para obterem tratamento. Yocheved não cresceu preparada para a guerra, só conheceu a paz que mora dentro dela.

Retrocedamos ao fatídico 7 de outubro. Youssef Ziadna é um árabe, beduíno, motorista de micro-ônibus que trabalha com transporte na região sul de Israel. Um dia antes do terror, ele transportou nove jovens para o festival de música perto da fronteira com a Faixa de Gaza.

Voltaria no dia seguinte às 15h para buscá-los. Mas o seu dia começou mais cedo. Às 6h, Ziadna recebeu um pedido de ajuda de um dos passageiros e, mesmo sem saber exatamente o que estava acontecendo, correu sem vacilar para seu micro-ônibus e se dirigiu ao local.

"Não lavei o rosto, nem me vesti", disse ele. Assim que se aproximou, viu um cenário assustador. Um homem que corria em sua direção pediu desesperadamente para ele dar meia-volta e fugir. Sem compreender, Ziadna saiu do carro e instantes depois viu um homem e uma mulher serem atingidos por tiros. "As balas voavam por toda parte". Encarou a morte de frente e decidiu que seguiria até a rave, o centro do terror.

"Eu sabia que não poderia desistir de minhas missões", e pensou, "irei resgatá-los". Ziadna salvou 30 vidas, todos judeus israelenses. "Somos um só povo –somos israelenses. Moramos aqui juntos e precisamos andar de mãos dadas", declarou o herói beduíno.

E era assim, de mãos dadas, que caminhavam o maestro e pianista judeu Daniel Barenboim e o intelectual palestino Edward Said, até este último morrer em 2003.

Tinham opiniões dissonantes, o que não impediu de serem melhores amigos. Usaram as diferenças para juntar forças e colocar mais significado à música. Juntos, fundaram a West-Eastern Divan Orchestra —que até hoje tem uma agenda intensa em que músicos de origem israelense e árabe tocam juntos, muitos dos quais vivem nas regiões de conflito, todos com fortes laços com a terra natal.

Os acordes se uniram com harmonia, a música falou mais alto e a mensagem alcançou todas as partes do mundo. Nesse barulho ensurdecedor de ódio que estamos vivendo, a sinfonia da paz da orquestra deve ressoar mais alta do que nunca.

Os designers de moda Amit Luzon e Eyal Eliyahu, ambos israelenses, cresceram à sombra do conflito israelo-palestino. Resolveram ultrapassar as fronteiras da discórdia e usar a moda como um instrumento de colaboração na promoção da paz.

Concretizaram a ideia de que se vestir é, também, um ato político. A marca de streetwear criada pela dupla, a Adish, conhecida na Europa, produz roupas fabricadas em Israel e bordadas por mulheres palestinas. Essa comunhão é uma prova da vencibilidade do improvável, assim como foi conseguir plantar no deserto. Os idealizadores expressam —e provam— através da moda, que antagonistas podem criar juntos. Inclusive a paz.

Nenhum desses atos resolvem o conflito, não garantem a paz, pode parecer ingênuo acreditar nisso. Restam, todavia, dois caminhos: ou nos rendermos à violência e nos deixarmos ser seduzidos pelo ódio, ou continuar a acreditar que a paz pode e deve existir. A paz parece distante, racionalmente impossível. Mas não precisamos de argumentos para querer a paz.

Shalom-Salaam

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