Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich

Métodos (nada) contraceptivos no TikTok

Não faltam vídeos que banalizam um assunto tão complexo e romantizam a ideia do retorno à natureza

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"Como colocar suco de limão na vagina e torcer pelo melhor". Esse é um dos métodos contraceptivos naturais ensinados no TikTok pelos especialistas em assuntos gerais das redes, que não entendem quase nada sobre quase tudo. A novo trend: difamar a boa e velha pílula anticoncepcional. "Essas pequenas pílulas bobas literalmente me arruinaram como pessoa", dramatizou uma das influencers em um vídeo (com mais de 1 milhão de curtidas) em que aparece amaldiçoando e tesourando uma cartela de pílulas anticoncepcionais.

Esse é um exemplo dos milhares vídeos que proliferaram nas mídias sociais —incluindo também Instagram, X e YouTube— nas últimas semanas advertindo os "efeitos secundários terríveis", alguns "irreversíveis", que a pílula e outros métodos contraceptivos provocam. Assunto debatido há décadas, não é por acaso que ele ressurge agora: as eleições presidenciais norte-americanas estão se aproximando e as campanhas têm o aborto como um dos pontos importantes.

Cartelas de pílula anticoncepcional - Noemie Olive/Reuters

Os usuários do TikTok são predominantemente adolescentes e jovens, grupo mais vulnerável que confia mais no que vê nas redes do que ouve de seus médicos. A formação de suas ideias tem mais a ver com número de curtidas do que com informação; tem mais a ver com o nível de confiança depositada nos influenciadores do que na ciência.

A americana Taylor Gossett (@getreal_girlfriend), hormonofóbica de carteirinha, acusa a pílula de "tóxica" e aproveita o gancho para oferecer uma masterclass sobre contracepção natural.

Já a podcaster Sahara Rose foi além. Defendeu uma teoria, com base em estudos (?), de que a mulher que faz uso da pílula se atrai pelo "parceiro errado". Funciona mais ou menos assim: as alterações hormonais fazem com que a mulher se atraia por homens que tenham o mesmo sistema imunológico dela. Eles se casam, e quando ela deixa de tomar a pílula não consegue suportar nem o cheiro do futuro ex-marido. Daí o apelido "pílula do divórcio".

Não são só mulheres que militam pela causa. O autointitulado coach transformacional Naftali Moses, pelo jeito "um grande conhecedor" do cérebro feminino, endossa a tese de Rose: "O controle da natalidade é definitivamente um veneno para as mulheres. Ele muda a maneira como o cérebro delas pensa", diagnostica o coach.

Seguindo outra linha, mas aproveitando o hype, a ativista conservadora antiaborto Lila Rose aconselhou suas milhares de seguidoras a abandonarem o controle de natalidade. Seu fundamento: "Ser anti-fertilidade é ser anti-mulher, e a proliferação do controle hormonal da natalidade é apenas outra maneira de tentar forçar as mulheres a serem mais parecidas com os homens, com consequências significativas para a nossa saúde física e emocional".

Não faltam vídeos, inclusive nacionais, que banalizam um assunto tão complexo e romantizam a ideia do "retorno à natureza". Muitos deles, talvez os mais apelativos, tocam no ponto fraco das mulheres: o peso. Eles as aconselham a abandonar os anticoncepcionais para entrar em forma, exibindo imagens do "antes e depois". O problema é que nenhum deles mostra o "depois do depois", com a mulher tendo que carregar, além o peso recuperado, uma barriga extra por nove meses.

Todo medicamento, incluindo os anticoncepcionais hormonais, tem seus efeitos colaterais. É totalmente válido usar o método que mais se adequa à mulher, inclusive os naturais, desde que seja uma escolha consciente, baseada em informações e não na falácia do suco de limão.

O que vale para uma não vale para todas, com uma única exceção: sem os métodos contraceptivos cientificamente válidos, o risco de a mulher engravidar se potencializa.

Obs: Não dá para fechar a coluna sem falar da legendária canção do cantor e compositor Odair José, "Uma Vida Só - Pare de Tomar a Pílula", lançada em 1973 (na época censurada), que traz o apelo de um homem para a sua amada para que parasse de tomar a pílula porque ela não deixa o filho deles nascer.

O pedido é parecido, a motivação, bem diferente.

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