Bernardo Guimarães

Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

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Descrição de chapéu Banco Central

Para que serve a autonomia do Banco Central?

Arranjos de política monetária buscam influenciar expectativas de inflação

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À primeira vista, a ideia de um Banco Central (BC) autônomo com foco na inflação parece esquisita. Por que o BC não deveria se subordinar ao governo? E por que focar a inflação se as decisões do BC também afetam desemprego e produto?

O Banco Central controla a taxa de juros básica (a Selic), que afeta o custo do crédito para empresas e pessoas. Juros mais altos tornam o crédito mais caro, o que reduz a demanda por bens na economia. Isso abranda a pressão sobre os preços (diminui a inflação), mas também desestimula a produção e as vendas.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, faz apresentação sobre a conjuntura econômica em almoço de fim de ano da Federação Brasileira de Bancos - Mathilde Missioneiro - 25.nov.22/Folhapress

A inflação também é afetada pelas expectativas de inflação. Uma empresa que reajusta preços a cada seis meses e espera inflação de 10% tende a escolher preços maiores do que se achasse que a inflação seria 5%.

A expectativa de inflação, por sua vez, depende da nossa expectativa sobre a política monetária. Se achamos que o BC aumentará juros sem dó para conter inflação no futuro próximo, esperamos inflação menor.

Eis aí o dilema da política monetária: expectativas de inflação baixa ajudam a conter a inflação, então é bom que todos acreditem que o BC não hesitará em aumentar juros quando precisar. Mas quando chega o momento de agir, não queremos ser tão duros assim por causa dos efeitos negativos no emprego e no produto.

Pais e mães convivem com dilemas parecidos. É mais fácil e rápido guardar os brinquedos das crianças em vez de convencê-las a guardá-los. Mas, se os filhos sabem que terão que guardar depois, eles fazem menos bagunça e resistem menos a pedidos para organizar os brinquedos.

Assim, queremos que eles acreditem que terão que guardar os brinquedos, mas na hora de ensiná-los e convencê-los queremos nós mesmos arrumar tudo rapidamente. Afinal, as crianças estão cansadas, é hora do banho e eu preciso escrever a coluna para a Folha.

Para reduzir o problema, podemos colocar um cartaz no quarto estabelecendo regras para as crianças guardarem os brinquedos. O cartaz não coloca as coisas no lugar, mas torna mais difícil para nós desobedecer o combinado e desmoralizar as regras da casa.

Na política monetária, o regime de metas de inflação faz o papel desse cartaz.

A meta de 3,5% não determina magicamente a inflação, mas faz as expectativas convergirem para esse valor se acreditarmos que o BC aumentará juros para trazer a inflação para 3,5%, quando for preciso. Ao tornar embaraçoso desobedecer à regra, o regime incentiva o BC a agir de forma mais dura quando a inflação quer escapar da meta.

O regime de metas tem ajudado a segurar expectativas desde sua implementação, em 1999. Ainda assim, é uma solução imperfeita e especialmente frágil se pressões políticas podem influenciar o BC a tomar um rumo mais condescendente com a inflação. E aí?

Uma solução é entregar o controle da inflação a um BC autônomo. O arranjo pressupõe que o BC estaria focado na inflação, como determina o regime de metas. Isso leva a uma política monetária mais dura do que nós escolheríamos. Mas, dessa forma, pessoas e empresas passam a esperar inflação mais baixa, e assim fica mais fácil conter o aumento dos preços.

Esse sistema dá flexibilidade para o BC reagir a choques, mas o governo perde todo o poder de influenciar a política monetária.

Pode parecer estranho descartar o poder de escolher, mas nesse cenário faz sentido.

Pais e mães fazem isso, por exemplo, quando jogam as chupetas da criança no lixo. Quando o filhinho do coração se desespera, a vontade de dar a chupeta para o bebê não chorar é grande demais. Por que então jogar a chupeta fora? Porque, se não há chupeta, não adianta berrar e chorar. Os bebês parecem entender.

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