Banco Central é como juiz de futebol: quando ninguém fala dele, está ótimo. Quando a política monetária é um assunto sem graça, o Banco Central está tendo sucesso.
Às vezes, porém, juízes de futebol têm que tomar decisões difíceis e não podem escapar dos holofotes. Se o goleiro do time da casa empurra dois adversários, o juiz será assunto, expulsando-o ou não.
Do mesmo modo, com frequência, o Banco Central precisa escolher entre o risco de aumentar o desemprego e o risco de ver emergir o monstro da inflação. Aí, as decisões do BC estarão inevitavelmente na capa dos jornais.
Nesses casos, é razoável haver discordâncias entre especialistas e entre os membros do Comitê de Política Monetária.
Por exemplo: há um ano e meio, o banco central inglês decidiu aumentar os juros para 3,5% ao ano, mas duas pessoas votaram para manter a taxa em 3%, enquanto outra votou por aumentar para 3,75%. Votações semelhantes ocorreriam nas reuniões seguintes.
Com tanta discrepância, embates e discussões são inevitáveis.
Naqueles meses, choveram críticas às duas economistas que haviam votado pela manutenção da taxa de juros. Mas, em geral, as críticas não eram sobre interferências escusas, interesses políticos ou sabotagem.
Aqui é diferente. Nas narrativas políticas do Brasil, a política monetária é sempre palco de uma história do bem contra o mal.
Na reunião passada, cinco membros votaram a favor de uma redução de 0,25 ponto percentual e quatro membros votaram por uma queda de 0,5 ponto percentual. As duas posições eram parecidas e me pareciam razoáveis. Contudo, só se falou sobre interferência política para reduzir juros (nas histórias sobre os quatro malvados) e sobre o BC sabotando o Brasil com juros altos (nas narrativas sobre os cinco malfeitores).
Na reunião desta quarta-feira (19), o Copom deve manter a Selic em 10,5%, com pouca ou nenhuma discordância, mas não faltarão comentários com fundo político de líderes partidários e comentaristas de redes sociais.
O debate não chegou a esse nível baixíssimo por acaso.
O PT sempre usou a política monetária e o Banco Central para construir narrativas de fundo político –a cena com os pratos sumindo da mesa na campanha presidencial de Marina Silva é um dos inúmeros exemplos.
Nessa ficção maniqueísta, o PT é o defensor dos pobres contra os juros altos. Parece natural, mas, a meu ver, desde o início do regime de metas, o principal erro do Banco Central para o lado de juros altos demais foi em 2005, quando Lula era presidente e poderia demitir o presidente do BC.
Por sua vez, Roberto Campos Neto deveria ter uma atitude de presidente de Banco Central autônomo. Jamais poderia ter votado com a camisa da seleção e deveria manter distância maior de políticos e presidentes. Errou e continua errando nisso.
Já foi diferente.
Houve o dia em que Michel Temer chamou o então presidente do Banco Central Ilan Goldfajn para um grande evento no palácio, e Ilan explicou que não podia ir, era semana de Copom. Temer insistiu, o evento nada tinha a ver com política monetária, todos os ministros estariam presentes. Ilan manteve o não. Semana de Copom era período de silêncio.
Esse silêncio todo não calou os críticos (era o "BC dos sonhos dos banqueiros"), mas era uma maneira de a independência do Banco Central ser escutada por quem permanecia atento às ações do BC.
Funcionou. Em pouco tempo, a inflação estava em 3% e os juros em 6% ao ano (eu acho que a redução do crédito do BNDES foi crucial para isso, mas claro, o BC foi fundamental).
A gente poderia ter uma discussão de política econômica mais saudável.
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