Na minha imaginação de criança, era uma cena digna de filme com cientista maluco. As vizinhas fofoqueiras chegavam a esbugalhar os olhos, para contar com mais emoção e riqueza de detalhes. Só que ao invés do monstro do Dr. Frankenstein ("It’s alive!"), a criatura era o Doutor Vizeu ("Tá cabeludo!").
"Eu vi, sim, com meus próprios olhos. Num dia em que estava calor e ele tirou... Parecem uns colchetes, sabe? Só que costurados na pele, bem no cocuruto! Ai, que nervoso. É ali que se encaixa a peruca."
O médico era a figura mais discreta da rua. Educado o suficiente para os padrões de convívio, mas misterioso o bastante para atiçar a falação alheia. Ninguém sabia exatamente o que lhe passava pela cabeça, mas bastava uma festa com bebida liberada para alguém gritar "Peruuucaaa!", puxando de novo o fio dessa história.
Anos 1980, sabe como é. Muitas revistas vinham com um encarte que mostrava um sujeito perfeitamente felpudo ao lado de um leão. "Use a cabeça para estancar a queda dos seus cabelos! Basta enviar uma mecha dentro de um envelope e um cheque no valor de Cr$ 15 mil."
Atualmente, o sonho da cabeleira 2.0 anda bem mais acessível e menos estigmatizado. Vários amigos e parentes estão se investindo de coragem e parcelando procedimentos. Comediantes calvos e cáusticos vêm jogando fora suas piadas autodepreciativas em favor de publis sorridentes de xampu. Tem até apresentador que viaja escondido à Turquia, a meca da pujança capilar a preços módicos. Tudo para acordar careca e ir dormir com a juba do Elvis Presley em Las Vegas.
Implantes, transplantes, apliques, não importa. Apoio sem distinções todos os neocabeludos. Afinal, se eu mesma já usei madeixas de todas as cores e tamanhos, por que não eles? A única questão é que, agora, uma nova regra de etiqueta se impõe. Como reagir sem magoar ninguém?
Se finjo que não reparei para ser casual, o impacto tão esperado da novidade se perde. Se faço estardalhaço e dou parabéns, podem achar que não ficou realista o bastante. Então, pra simplificar, digo apenas: "Nossa, você tá tão bem!". O que não deixa de ser sincero, pois botar cabelo é sempre um investimento na própria felicidade.
Pena que o Doutor Vizeu não pensasse assim. Um dia, talvez por causa da pressão popular, reapareceu definitivamente careca. Um silêncio culpado se instaurou entre as vizinhas. Festinha com cervejota, nunca mais. Vinte anos se passaram até que ele, bem, morreu. E durante o velório, a surpresa: alguém —não se sabe até hoje quem— botou um topetinho no morto, que parecia levemente sorrir.
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