Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu
internet YouTube

Não tem como engambelar criancinhas com pós-doutorado em YouTube

Depois de apostar num caô, percebi ter um biólogo mirim em casa, fascinado por macacos, dragões-de-komodo e axolotes

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Hamilton e Terezinha mantinham um relacionamento estável e éramos testemunhas disso. A chegada dos filhos não abalou aquela união, muito menos o cunhado Roberto, que passou a viver com a família. Reinava a mais perfeita harmonia. Levando-se em conta, claro, que o habitat natural de micos não é a fiação elétrica da nossa rua.

No Rio de Janeiro tem disso. A gente se apega tanto à exuberância da fauna ao redor que acaba inventando histórias. Tá, pode ser que eu exagere um pouco na fofoca sobre os vizinhos silvestres, mas minha desculpa sempre foi ter criança pequena e curiosa em casa.

Ilustração de um bichinho rosa com olhos grandes, cílios longos, quatro patas e rabo longo segurando uma xícara com uma das patas e com um notebook apoiado no colo. Ele está olhando para a tela e dizendo "Adoro esse vídeo do mico chupando chupeta". O fundo é verde água com bolhas.
Publicada neste domingo, 9 de janeiro de 2022 - Marcelo Martinez

De tanto observá-los da janela, tomei a liberdade de inclui-los numa mentira familiar. Para que meu filho largasse o hábito da chupeta, inventei que Hamilton havia roubado a dele para dar a seus filhotes. Incrédulo, o pequeno exigiu provas. Mostrei-lhe então o vídeo de um macaquinho igual, com uma chupeta idêntica na boca.

Resultado: aquele par de olhinhos infantis, que poderia estar chorando pela perda da chupeta, brilhou de admiração pela suposta audácia do bicho. Um caô reaproveitado por outras mães da creche, que fizeram uso da mesma imagem com 100% de sucesso.

A partir dessa fanfarronice audiovisual, percebi ter um biólogo mirim em casa. Fascinado por vídeos não só de macacos, mas também de baiacus, dragões-de-komodo e sobretudo axolotes, meiga espécie de salamandra que parece estar sempre sorrindo. Não tivesse protagonizado até conto do escritor Julio Cortázar, eu julgaria ser um pokémon inventado por youtubers.

Um dia, demos pela falta da Família Mico nas árvores do entorno. Enquanto pessoa adulta e razoável, empreguei todo o meu pensamento lógico. Teriam Hamilton e Terezinha se divorciado? Será que ele foi enquadrado por não pagar pensão alimentícia, feito o cantor Latino? Abre parênteses: dono do inesquecível Twelves, símio popstar que morreu jovem demais, R.I.P. Fecha parênteses. Enfim, o que teria desfeito aquele núcleo familiar? Jogo? Drogas? Brigas no zap?

"Preciso te falar uma coisa". E assim deu-se a perda da inocência. Minha, no caso. "Hamilton não é gente boa, não, mãe. Eu sei porque vi na internet." É, não tem como engambelar criancinhas com pós-doutorado em YouTube. Tive uma aula sobre as espécies de sagui Callithrix jacchus e penicillata, que estão entre nós por um desequilíbrio no ecossistema, causando uma espiral de danos ambientais. E pior: são rivais dos micos-leões nativos. Eu na fé de que eram todos parentes fofinhos, quando na real um pode até exterminar o outro.

"Tipo Jogos Vorazes, versão macacada?" E meu filho fazendo que sim com a cabeça, me achando tolinha. Família, hein? Vou te contar. Só os axolotes são felizes.

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