Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune

O Carnaval já passou; é hora do check-up do cidadão de bem

Estaremos nos mantendo dentro dos valores de referência da escrotidão lúdica?

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Enfim chegou o momento. Depois do Carnaval, quando o ano começa de verdade. Se já não está anotado, deveria. Na agenda do celular ou num círculo em vermelho no calendário dado de brinde pela farmácia.

Sim, é hora do check-up anual. Mas não aquele, o físico. Em vez do teste de esforço na esteira, o de estar vivo. Sai o martelinho que faz o joelho pular, entra a martelada existencial. Estamos nos mantendo saudavelmente escrotos?

Médico algum será capaz de solicitar e carimbar as guias desse exame moral: é contigo mesmo. Mantendo jejum de good vibes, vídeos de gatinhos ou de –pelamordedeus, não– acolher dois pontos de vista na mesma discussão. O mundo pede causadores. Malditões. Cantores sertanejos com posse de arma e ex-participantes de A Fazenda.

Quando você menos esperar –ou estiver, sei lá, fazendo um comentário gentil na cara de alguém– será levado para uma zona de quarentena onde testarão sua imunidade para o cordyceps da fofura. Pior: vão te entregar um laudo dando positivo para "cidadão de bem".

No cartum de Marcelo Martinez, um médico ausculta seu paciente, enquanto lhe pede: "Agora diga: 'Você conhece o Mário?'".
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 26.fev.23 - Marcelo Martinez

"Não tuitei raivosamente e em CAIXA ALTA a respeito. É grave, doutor?". Muito. Por isso a importância de que você, a cada primavera de sua angústia, a cada verão de seu desconforto social, faça uma autoavaliação completa para descobrir se segue dentro dos valores de referência da escrotidão lúdica. Aquela que não chega a transformar ninguém num Elon Musk cobrando pela autenticação de dois fatores ou num Bolsonaro de férias na Flórida, mas também não o isolará da humanidade.

Faça sua própria anamnese. Protegida no conforto do mau-caratismo, posso humildemente indicar alguns itens do meu escrotograma completo. Por exemplo, o hábito de espremer cravos alheios com luxúria e de maratonar vídeos de limpeza de tapete. Seguidos por: desentortar quadros na casa dos outros, me apropriar de canetas Bic, amar trocadilhos e detestar John Lennon e batata frita. Além daquela que dizem ser a mais ultrajante das minhas características: jamais, em hipótese alguma, enviar figurinhas de WhatsApp.

Cidadão de bem bate no peito e gabarita os dez mandamentos do pastor David Elridge e do Silas Malafaia. E enquanto não houver comprimido efervescente para o mal-estar na civilização, é preciso se manter atento e forte, quiçá amistosamente desagradável. Incubando apenas manias e derrapadas que mais nos zoem do que nos deixem na zona de perigo, jogando de ladinho e sentando gostosinho no trono da mais equivocada e insalubre razão.

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