Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Bia Braune
Descrição de chapéu Todas

Se hoje tombam sítios históricos, por que não os vocábulos supimpa?

Abandonadas à própria sorte, elas são deixadas à míngua em vielas escuras, preteridas por opções mais prafrentex

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Homessa! (Sempre quis iniciar ou concluir assim, num raciocínio tão exclamativo quanto rococó, digno dos periódicos de muito antigamente. Pela oportunidade, obrigada.)

Aliás, quando a palavra de agradecimento foi aos poucos sendo substituída por "valeu", ninguém chiou. Ato contínuo, a gratidão deixou de ser fonetizada, transformando-se num erguer de polegar. Um joinha displicente. Até que, sem qualquer alarde léxico —Aurélio e Houaiss cobertos por louros imortais, dormindo de conchinha com seus dicionários— tudo degringolou para "vlw".

Você, que percorre estas linhas com idade suficiente para conhecer expressões demodê: já testemunhou uma palavra estrebuchando até a morte? Em página impressa ou tela de celular? Claro que não. Abandonadas à própria sorte, elas são deixadas à míngua em vielas escuras da gramática. Preteridas por opções mais prafrentex e topzêra. Fenecendo na calada da noite sintática, chacinadas pelo desuso.

Quando não batem a caçoleta de vez, perdem o direito de existir em sua forma escorreita, sendo substituídas por gêmeas maquiavélicas. Ruth e Raquel da linguagem coloquial. Afinal, quem ainda encontra pizzas de "muçarela" no cardápio? Ou dá uma "bicota" na ponta de um nariz? Não há "resistro".

No cartum de Marcelo Martinez, dois personagens estão saindo do prédio do "Museu das palavras que ninguém usa mais". Um deles comenta: Achei supimpa!
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 4 de dezembro de 2023 - Folhapress

Urge, portanto, criar um Iphan destinado ao tombamento de vocábulos supimpa em vias de extinção. Tal como "alvíssaras" —interjeição muito merecedora de substituir o "bom dia, grupo" do WhatsApp— e o ingênuo adjetivo "transado", enquanto coisa "maneiríssima".

Restituiríamos o trema fófis e "tranqüilo" de "pingüim" e "lingüiça". Daríamos Ctrl + Z em acordos ortográficos que acabaram com o "cafèzinho" (servido assim grave) e a boa e velha "idéia" (com acento, tão mais brilhante).

Nada disso através de processos que tramitassem por escaninhos empoeirados. Seria no YouTube e no TikTok mesmo, com influencers fazendo publi de "carmim" para os lábios. Ou ensinando a coordenar numa mesma oração sapato com "capanga" (no sentido original, não no da série "Vale o Escrito").

Saias voltariam a "farfalhar", ainda que sem anáguas por baixo. Risos de zoeiragem seriam tão "escarninhos" como na obra de Machado. E Luccas Neto licenciaria o galicismo do "bilboquê", reabastecendo "pharmacias" de arnica para dar conta de tantos olhos roxos.

Destarte e dessarte, nosso imenso patrimônio vocabular estaria a salvo. Protegeríamos "roubartilhar" do impune fim de "chocrível". Todas as palavras poderiam, enfim, ter a palavra. Homessa!

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.