Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu Todas

Motéis se levam a sério, ou pelo menos era isso que eu ingenuamente achava

De como meu lavabo se tornou uma filial da luxúria e da devassidão

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É pelas toalhas de banho dobradas cuidadosamente, no formato de um casal de cisnes? Pelas pétalas de rosa no cetim? Pelos recados escritos em batom vermelho que gritam paixão no espelho? Ou pelo espelho em si, mas no teto?

No cartum de Marcelo Martinez, um casal, deitado na cama e com roupas de trabalho, se arruma. Ele faz a barba, ela passa o batom. Ambos olham para o teto do quarto, onde há um espelho. Ela diz: " Eu sei que cria um clima e tal... mas preferia o espelho na parede mesmo!
Ilustração de Marcelo Martinez - Folhapress

Peraí. Nas condições normais de temperatura e tesão, como saber ao certo quando se está num motel? Na minha casa, pelo menos, a certeza absoluta vem do lavabo. E de uma instalação não só hidráulica, como também antropológica.

Antes de mais nada, preciso esclarecer que sou entusiasta de erotismos não óbvios. Em detrimento das cintas-ligas e das lingeries transparentes, enxergo toda uma transgressão na seducência cotidiana das calcinhas bege ou de florzinha. Ao invés de carões e mordidas de lábio, toda a lascívia de sutiãs que demoram a ser desatados por entre gargalhadas.

Motel, para mim, sempre foi clichê de adultérios lúdicos e de casais que apimentam a relação como nas músicas do Wando e da Maiara e Maraisa. Apesar de ter ido a vários, nunca havia enxergado neles um senso de humor tendendo ao fanfarrão. Motéis se levam a sério. Ou pelo menos era isso que eu ingenuamente achava.

Certo dia, encarando mais uma das minhas trocentas e desinfelizes reformas, passei em frente a um galpão repleto de refugos de obra. E foi precisamente ali que uma suruba começou, envolvendo meus neurônios do juízo.

Numa centelha tão rápida e fulminante que apenas a loucura mais genuína e cafona conhece, dei ré na autoestrada e os encontrei: pia, vaso e bidê do Papillon, antro de luxúria e prazer já demolido. Emblemático motel do bairro onde cresci. Cenário, inclusive, de escândalo sexual envolvendo ídolo do futebol.

Num tom de azul caneta bonito e classudo, redondos conforme manda a cartilha do design lúbrico, foram mais do que uma pechincha. Devidamente instalados em meu novo lavabo, tornaram-se diversão para maiores e menores de 18 anos.

Até hoje, alguns amigos e parentes aparecem só para lavar as mãos e tirar selfies. Outros, altivos e sem preconceito, optam pela experiência do "número um" ou do "número dois", quiçá ambos, numa louça sanitária com storytelling.

Quando a visita é falsa pudica, do tipo que enche o saco com tradições e bons costumes, mas frequenta motel às escondidas, me divirto fazendo a higiene moral de uma pegadinha. Indico os itens do lavabo, mas escondo sua procedência. Cada rei reconhece seu próprio trono, sobretudo no âmbito privado.

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