Caminhos da Inovação

Por Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP, e Raúl González Lima, pró-reitor adjunto, coluna examina casos que podem inspirar o Brasil a avançar no setor de inovação

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Caminhos da Inovação

Benefícios sociais de projetos ambiciosos, mas definidos, são evidentes

Inovação por missões pode aliar países, ministérios e ecossistema de inovação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Mais de 60 anos atrás, em 12 de setembro de 1962, o então presidente dos EUA, John F. Kennedy, proferiu um histórico discurso no estádio da Universidade Rice, no Texas.

Ele conclamou seus conterrâneos a se unirem para, antes do final da década, enviar seres humanos à Lua e trazê-los de volta à Terra em segurança. A partir desse discurso, foi cunhada a expressão "Moon shot", que significa iniciar um projeto com objetivos ambiciosos, mas bem definidos, com ousadia temperada por uma avaliação serena dos meios para alcançá-los.

No discurso, Kennedy afirmou que a escolha de ir à Lua não era por se tratar de algo fácil, mas porque era difícil; a ambiciosa missão serviria para organizar e mensurar o melhor das capacidades e talentos disponíveis. Os avanços do programa Apollo se estenderam bem além da agenda espacial, trazendo inovações em inúmeras áreas diferentes, até em vestuário.

Em outubro passado, ocorreu o Primeiro Fórum Brasileiro de Inovação Orientada por Missões, nas dependências da USP, com o objetivo de qualificar e disseminar a prática desse tipo de inovação, abordando temas como Amazônia, saúde, agricultura, indústria e transformação energética.

Sentados na mesa de definição de uma missão, no tema agricultura, estavam representantes de propriedades agrícolas, de órgãos de governo, da academia, de sindicatos de trabalhadores do campo e, em especial, das processadoras de castanhas. Logo de partida, na definição da missão, o aspecto de cocriação estava presente. Um documento da World Transforming Technologies (WTT), organização sem fins lucrativos e também organizadora do evento, junto com a Agência USP de Inovação, informa que uma fração dos investimentos de uma nação deveria ser dedicada à "inovação por missão" e dá como exemplos o programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), de 1999, o Pró-álcool e o acelerador de partículas Sírius.

Cisterna em propriedade na zona rural de Betânia do Piauí - Lalo de Almeida/Folhapress

Chama a atenção que, nos três casos, os benefícios sociais foram muito claros.

As cisternas são um contraponto a soluções de grandes obras, aproveitando e gerando conhecimento local. O pró-álcool aproveita vantagens comparativas do nosso clima, diminui a dependência externa e de combustíveis fósseis, promove emprego e nos coloca em liderança nos biocombustíveis, especialmente agora que dominamos a conversão de etanol em hidrogênio.

O acelerador foi construído com o máximo disponível de ciência gerada no Brasil, com fartas contribuições de cientistas brasileiros, empresas brasileiras, capacitando nossa comunidade e robustecendo, no ecossistema de empreendedorismo, a geração de conhecimento profundo. Soluções originais para os magnetos do acelerador foram criadas aqui e replicadas em outros países, num belo exemplo também de ciência aberta.

Embora vários exemplos de inovações orientadas por missões sejam de décadas atrás, a sistematização dessa forma de desenhar políticas públicas é mais recente.

A pesquisadora Mariana Mazzucato, da University College London, em especial, tem sido prolífica em argumentar em favor de pesquisa e inovações orientadas por missões. A OCDE tem dedicado vários documentos recentes para divulgar boas práticas sobre como estruturar essas missões no mundo todo. Exemplos de porte são o Darpa americano e Missões do Horizonte Europa.

A inovação por missões pode congregar países, vários ministérios, um ministério ou um ecossistema de inovação, segundo classificação da OCDE. Mas o que chama a atenção é que o setor da sociedade que será impactado participa desde o início dos trabalhos, reduzindo dúvidas sobre demanda e o impacto social, econômico e de sustentabilidade.

Entre as boas práticas, é recomendado que cada projeto apresente, de partida, uma teoria da mudança, que nada mais é que uma descrição dos objetivos que devem ser alcançados, por quais atores, em que ordem, definindo marcos objetivos, que sinalizam etapas cumpridas. A teoria da mudança é fundamental para esclarecer aos atores qual é o compromisso assumido por cada instituição, facilitando a gestão do processo.

A fase de implementação faz uso dos marcos já definidos na teoria da mudança. Muitos dos marcos são atos jurídicos e contábeis, como licitações públicas. Essa metodologia de projetos de inovação é consistente com as características dos ecossistemas de inovação e empreendedorismo que ressaltamos nesta coluna, como impacto social e de sustentabilidade, demanda, recursos humanos, infraestrutura, ambiente cultural, capital de investimento, capacidade de inovação e capacidade de empreendedorismo.

Exemplos mais recentes de projetos conduzidos pela WTT são a produção de bioplásticos a partir de ouriço da castanha-do-pará e de biofilme para aumentar o tempo de prateleira de frutas do semiárido brasileiro. São projetos que respeitam a cultura, vantagens e conhecimento local.

Chamamos a atenção para o fato de que a inovação orientada por missões não é uma "bala de prata"' e não deve representar um modelo único de fomento. O conhecimento profundo, necessário para alavancar inovações disruptivas, surge historicamente de pesquisas motivadas pela infindável curiosidade dos seres humanos. Mas a ênfase em inclusão e cocriação que pervade todas as etapas da metodologia de missões traz a esperança de que os resultados serão duradouros, que o público-alvo está sendo atendido e que a missão democrática da academia e setores do governo —como TCU e MCTI— está sendo atendida.

A história mostra que vale a pena "atirar visando a Lua".

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.