Caminhos da Inovação

Por Paulo Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP, e Raúl González Lima, pró-reitor adjunto, coluna examina casos que podem inspirar o Brasil a avançar no setor de inovação

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Caminhos da Inovação
Descrição de chapéu tecnologia

Sucesso em inovação depende do trabalho ombro a ombro

Estudo norueguês mostra que 50% das patentes vêm de parceiros que estão a menos de 30km de distância

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Vivemos um momento em que há claras indicações de interesse governamental em impulsionar uma agenda de inovação no país. No fim de agosto, o governo federal anunciou financiamentos de R$ 66 bilhões, através do BNDES e da Finep, com taxa nominal de apenas 4% ao ano, acrescida do índice da taxa referencial (TR).

São sinalizações fundamentais de um país que já perdeu muito tempo e precisa se inserir de forma mais resoluta na corrida global de inovação que está em curso. Histórias de sucesso em outros países e no nosso próprio país servem de inspiração para trilharmos com confiança o longo caminho à frente.

Destacamos hoje duas características importantes de iniciativas bem-sucedidas: a co-criação (criação coletiva) e a proximidade necessária entre os parceiros em diferentes setores.

Há 20 anos, de forma muito simpática, um médico pneumologista perguntou a um de nós, num corredor de hospital, se era possível fazer um aparelho como o do Dr. McCoy, personagem da série de ficção científica "Star Trek", que usava um scanner para fazer diagnósticos de seus pacientes de forma não invasiva.

Imagem de tomografia no Hospital Sírio-Libanês - Eduardo Knapp/Folhapress

Explicou que o tratamento da síndrome de angústia respiratória aguda requeria uma manobra protetiva do pulmão que consistia em elevar e depois controlar a menor pressão na fase de expiração, de modo suficiente para recrutar alvéolos, mas sem causar dano por excesso de distensão.

Ao perguntar o que ele tinha em mente, ele descreveu um equipamento originado no Imperial College de Londres, que lhe tinha sido apresentado. Sucintamente, através de uma cinta com eletrodos em contato com a pele, uma baixíssima corrente elétrica era injetada no tórax e isso modificava o potencial elétrico na pele, também medido.

Na engenharia, tratava-se de um problema de estimação de parâmetros e o caminho teórico foi imaginado. Começou assim um processo de inovação em ambiente de co-criação. Esse processo continuou por décadas, muito em função do elevado nível de confiança existente entre todos os protagonistas, de pesquisa, de desenvolvimento e do meio empresarial. Deve-se reportar também o papel das agências de financiamento de pesquisa, Fapesp e Finep. Essa pesquisa acabou se tornando uma empresa que hoje exporta tecnologia brasileira de ponta para muitas regiões do mundo.

Esse é o arquétipo de co-criação que nos vem à mente sempre que estudamos caminhos da inovação. O mesmo fenômeno se repetiu durante o desenvolvimento do ventilador pulmonar Inspire. Dessa vez, o diálogo de ignição ocorreu dentro da própria Escola Politécnica da USP.

Em estudo realizado há alguns anos, por encomenda do Ministério de Ciência da Noruega, pesquisadores notaram que, entre mais de uma dezena de formas de transferir conhecimento entre academia e o restante da sociedade, a forma mais eficiente é a co-criação. Trata-se de convívio, de confiança tão elevada que não se teme que algum parceiro de criação possa esbulhar conhecimento. Essas condições requerem infraestrutura, financiamento, ambiente cultural incentivador e recursos humanos com habilidades diversas. Também não devemos esquecer que o ambiente legal, principalmente aquele que protege e incentiva a transferência de conhecimento, deve oferecer inequívoca segurança.

Uma faceta desse fenômeno da inovação em ambiente de co-criação, que também é reportada com sólida base estatística no estudo norueguês, é que cerca de 50% das patentes são registradas entre parceiros que trabalham a menos de 30km de distância entre si. Talvez esse fato seja consequência da elevada confiança entre os atores que a co-criação requer e da elevada frequência e precisão da comunicação que, por sua vez, a confiança demanda.

Especialmente no desenvolvimento de tecnologias sofisticadas para a resolução de problemas específicos, a proximidade permite que testes de campo sejam realizados rapidamente e que retornos às bancadas de laboratório para ajustes possam ocorrer em curto prazo. O caráter local do processo de inovação em "deep tech" faz parte do conjunto de fatores que determinam as vantagens comparativas de uma determinada região e que servem de guia para a escolha de áreas que justificam maior ênfase no estabelecimento de políticas públicas.

Não se pode, de forma alguma, negligenciar a importância das relações interpessoais. A própria arquitetura de centros de inovação mundo afora é testemunha da compreensão dessas características, com muito uso de vidro e espaços que favorecem fluxos cruzados e encontros de pessoas. Também é essencial que os protagonistas nesses centros de inovação possam confiar nos processos de transferência de tecnologia e nos incentivos associados a essas transferências.

Ainda há muito caminho a ser percorrido. Por exemplo, o número de publicações científicas em colaboração entre parceiros em universidades e pesquisadores em empresas interrompeu o ciclo de expressivo crescimento, salvo raras exceções. A mensagem para gestores de inovação é cristalina: o vigor, a vitalidade e a sustentabilidade de ecossistemas saudáveis de empreendedorismo e inovação dependem de pessoas que confiem umas nas outras e que estejam próximas para interagir.

Para sermos bem-sucedidos em inovação, precisamos de muito trabalho ombro a ombro, reunindo parceiros diversos.

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