Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros

Os debates que fizeram a China

Livro reconta discussões no início do milagre chinês sobre estratégia em transição para o mercado

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A editora Boitempo acaba de publicar um livraço: "Como a China escapou da terapia de choque", de Isabella M. Weber. É uma história dos debates entre os economistas chineses, nos anos 80 do século passado, sobre que estratégia a China adotaria em sua transição para o mercado. Se você quer saber como a China chegou aonde chegou, é leitura obrigatória.

É inevitável comparar o extraordinário sucesso da economia chinesa nas últimas décadas com o colapso da Rússia no mesmo período. Weber parte da ideia, comum na literatura especializada, de que diferenças de estratégia econômica explicam essa diferença de desempenho.

Seu foco está nas políticas de liberação dos preços, que sob o planejamento socialista eram fixados pelo governo. A Rússia adotou a "terapia de choque": liberou todos os preços em um período muito curto. A China adotou um sistema dual em que, por um período maior, conviveram preços controlados e liberados.

Presidente da China, Xi Jinping, durante coletiva de imprensa no China-Central Asia Summit - Florence Lo/Pool - 19.mai.23/Reuters

Entretanto, como nota a autora no ponto alto do livro, a China quase implementou a terapia de choque ainda nos anos 80. Para reconstruir essa disputa, Weber entrevistou sobreviventes, teve acesso a textos censurados e reconstituiu debates clássicos (e muito bons) do campo socialista. A discussão sobre as posições (e possíveis inconsistências) do economista húngaro Janos Kornai –uma figura importantíssima– é um dos pontos altos do livro.

Segundo a autora, os adversários dos "terapeutas de choque" não se opunham à transição para uma economia de mercado. Na verdade, discordavam da ideia de que um choque de preços pudesse funcionar antes que houvesse empresas capitalistas que, por dependerem de seus lucros para sobreviver, fossem forçadas a se orientar pelo mecanismo de preços.

Enquanto as empresas chinesas não fossem reformadas, argumentavam, preços liberados só gerariam inflação, lucros altos para monopólios e ineficiências generalizadas. O sistema dual de preços seria a melhor solução, não em comparação com um modelo abstrato de economia de mercado, mas entre as alternativas disponíveis para a China da época.

O livro termina com um plot twist trágico. Economistas que barraram a terapia de choque nos anos 90 caíram em desgraça por terem apoiado os protestos da Praça da Paz Celestial. Enquanto isso, alguns dos defensores de uma proposta que poderia ter comprometido as reformas chinesas prosperaram na década seguinte, quando o mais difícil da transição já tinha sido feito.

O mecanismo dual de preços não deve ser a única explicação para o sucesso chinês. O livro de Weber aponta para uma orientação mais geral, de construir um sistema novo pelas margens do antigo, que foi bem-sucedida. Na imagem espelhada do sucesso chinês a história também é mais complexa: a correlação estatística entre terapia de choque e colapso é quase toda gerada pelos casos de países que, no começo do processo, eram um só, a União Soviética. Desmoronamento estatal certamente deve ter sido parte da história.

Mas Weber certamente poderia argumentar que, se a URSS queria sobreviver, que escolhesse uma estratégia econômica melhor.

PS: Delfim Netto aparece em um ponto decisivo da história. Para quem quiser saber mais sobre as relações entre Brasil e China, recomendo "Brazil-China relations in the 20th century", de Maurício Santoro (Springer, 2022).

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