Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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Cláudia Collucci
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Em certos tipos de câncer, menos ou nenhum tratamento é o melhor remédio

Novo estudo mostra que tumor inicial de mama não precisa ser tratado com quimioterapia

O tempo passa, a ciência avança e cada vez mais aparecem exemplos de que, em muitas situações envolvendo o câncer, "menos é mais".

O caso mais recente vem de um grande estudo internacional divulgado no domingo (3) mostrando que muitas mulheres que têm câncer de mama em estágio inicial e que hoje receberiam quimioterapia na verdade não precisam desse tratamento.

Ou seja, milhares de mulheres poderão ser poupadas de receber um tratamento tóxico que salva vida, mas, ao mesmo tempo, traz inúmeros efeitos colaterais, como perda de cabelos, náuseas, danos cardíacos e nos nervos, além de deixar as pacientes vulneráveis a infecções e elevar o risco de desenvolverem leucemia no futuro.

O estudo, publicado na revista New England Journal of Medicine, foi apresentado em reunião da Asco (Sociedade Americana de Oncologia Clínica), em Chicago. Segundo o trabalho, testes genéticos em amostras de tumores foram capazes de identificar mulheres que poderiam evitar com segurança a quimioterapia. 

Já existem casos de tumores de mama, como o carcinoma "ductal in situ," que tendência poderá ser de não tratá-los na maior parte dos casos, apenas acompanhá-los com mais rigor. Ele é considerado não invasivo em 70% dos casos. As células anormais ainda estão confinadas nos canais que drenam o leite materno. O crescimento é lento e sem malignidade. Em alguns casos, há regressão ou desaparecimento. 

Situações parecidas são vistas também em alguns tipos de tumor de próstata. A questão é saber quais deles irão ou não progredir. E isso poderá ser apontado por testes genéticos mais específicos, como esses que estão conseguindo selecionar mulheres que não vão precisar mais de químio.

Há dois anos, um tumor de tireoide que responde por 20% dos casos de câncer nessa glândula foi reclassificado e passou a ser considerado uma lesão benigna. Ou seja, deixou de ser câncer.

Com isso, 46 mil pessoas que eram diagnosticadas por ano com esse tipo de tumor no mundo passaram a ser poupadas da remoção completa da tireoide e da iodoterapia (um tipo de radioterapia), que pode trazer efeitos como a rouquidão e a retirada das paratireoides, que geram alterações de vitamina B e do metabolismo do cálcio. 

Chamado de "variante encapsulada folicular do carcinoma papilar da tireoide (EFVPTC, na sigla em inglês)", o tumor reclassificado é um pequeno nódulo na tireoide que está cercado por uma cápsula de tecido fibroso. O núcleo se parece com um câncer, mas as células não ultrapassam o invólucro.

Tão importante quanto os estudos que levem à descoberta de novas moléculas capazes de curar ou de aumentar a sobrevida dos pacientes com câncer é o investimento em pesquisas que nos diga, com segurança, se o tratamento disponível vale ou não a pena ser feito. Ou porque o tumor não vai evoluir e, por isso, não precisa ser tratado. Ou porque ele é incurável e não adianta insistir em terapias caras e fúteis.

Além de poupar o paciente de um sofrimento inútil, essa seleção de casos poderá trazer economia de recursos para uma doença em que a disparidade de acesso é gritante e inaceitável. Nos EUA, a sobrevida após um câncer de mama é de 90%. Na Índia, é de 66%. Na Finlândia, mais de 95% das crianças diagnosticadas com leucemia linfoblástica aguda seguem vivos. No Equador, essa taxa é de 50%. Os dados são de um estudo publicado no "The Lancet" ano passado.

E essa desigualdade tende a aumentar. As velhas drogas oncológicas, baratas e efetivas, estão sendo retiradas do mercado pelas farmacêuticas porque não dão lucro. E o custo das novas é impagável, acessível apenas aos mais ricos. Há muito que fala sobre as margens de lucros insustentáveis das farmacêuticas e sobre a urgência de um debate sobre qual o preço justo dos medicamentos. Mas essa é uma discussão que não avança por razões óbvias. 

Para nós, o buraco é ainda mais embaixo. Muitos brasileiros estão morrendo de câncer sem sequer iniciar um tratamento. Às vezes, ainda esperando exames e procedimentos para se fechar um diagnóstico.

Contra isso tudo não se vê nem uma diminuta parte do clamor popular observado em torno do episódio envolvendo a tal "pílula do câncer". A grande massa no país prefere seguir acreditando em soluções mágicas para o câncer, em vez de brigar por condutas e terapias que já existem e funcionam. É uma pena. 

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