Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Cláudia Collucci

Metade da população mundial não tem acesso aos cuidados básicos de saúde

Encontro com líderes mundiais no Cazaquistão reforça prioridade da atenção primária

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A atenção primária à saúde está em crise no mundo. Ainda é pouco ou nada desenvolvida em muitos países, subfinanciada em outros e enfrenta um grave desafio de recrutamento e retenção da força de trabalho. 

Essa introdução de um recém-publicado editorial da revista científica The Lancet dá o tom dos temas que estarão em pauta a partir desta quarta (24) em Astana, capital do Cazaquistão, onde acontece a Conferência Global sobre Atenção Primária à Saúde.

Como bolsista da Global Health Strategies, vou acompanhar o evento, co-organizado pelo governo do Cazaquistão, OMS (Organização Mundial da Saúde) e Unicef, que deve reunir cerca de 1.200 líderes da saúde no mundo, entre chefes de estado, ministros da saúde, finanças, educação e assistência social, organizações não governamentais, pesquisadores e profissionais de saúde.

O encontro ocorre 40 anos depois da assinatura da épica Declaração de Alma-Ata, que em 1978 chamou a atenção dos líderes da saúde mundial para a importância da atenção primária à saúde como chave para uma melhor saúde para todos, com justiça social e equidade. Ao final do encontro, sairá a Declaração de Astana, onde devem ser reforçados os pilares de Alma-Ata, com novas propostas.

O fato é que os ideais de Alma-Ata ainda estão longe de serem alcançados. Metade da população mundial não tem acesso aos serviços de saúde mais essenciais. O foco continua em doenças individuais e não há prioridade em prevenção e promoção à saúde.

Existe uma literatura científica consistente dando conta de que de 80% a 90% das necessidades de saúde das pessoas podem ser fornecidas dentro de uma estrutura básica de atenção à saúde. Desde cuidados pré-natais, prevenção de doenças e vacinação, até o gerenciamento de condições crônicas e cuidados paliativos.

À medida que as populações envelhecem, a multimorbidade se instala e os custos de saúde estão ficando insustentáveis, priorizar a atenção primária e transformá-la de fato na organizadora dos sistemas de saúde, torna-se cada vez mais fundamental.

Acesso a saúde ainda é desafio em vários países do mundo; na foto, alunas de enfermagem durante aula de morfologia
Acesso a saúde ainda é desafio em vários países do mundo; na foto, alunas de enfermagem durante aula de morfologia - Bruno Santos/Folhapress

No entanto, a força de trabalho, fator essencial para o desempenho e a sustentabilidade dos sistemas de saúde, ainda é um desafio para o fortalecimento da atenção primária à saúde.

Segundo a Organização Mundial de Médicos de Família (Wonca, na sigla em inglês), apesar dos esforços para formar médicos em países em desenvolvimento, há investimento insuficiente em pessoal da atenção primária à saúde.

São necessários novos currículos, ambientes multiprofissionais e mais apoio organizacional. Na maioria dos países europeus, há uma escassez de clínicos gerais (médicos de família), especialmente nas áreas rurais. O mesmo acontece no Brasil.
 
A prática geral é muitas vezes vista como de baixo status, com pouco prestígio para os médicos, associada a uma alta carga de trabalho administrativo e à falta de apoio dos pares. 

Apesar de algumas inovações, como novos papéis para enfermeiros e farmacêuticos na atenção primária, há uma necessidade de oferecer mais desenvolvimento profissional e mais apoio à infraestrutura, incluindo inovações tecnológicas.

Segundo o artigo da revista médica The Lancet, o recrutamento e a retenção de agentes comunitários de saúde, enfermeiros e médicos precisam melhorar na maioria das regiões do mundo. E tornar os cuidados primários de saúde um ambiente de trabalho mais atraente é crucial para se conseguir isso.

Outras discussões polêmicas devem acontecer durante a conferência, como a crescente pressão de interesses privados nos sistemas públicos de saúde, a crise econômica e financeira e o forte avanço do neoliberalismo e autoritarismo pelo mundo.

Na contribuição do Brasil para a conferência, cujo texto foi escrito por pesquisadores da Fiocruz  e aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde, defende-se, por exemplo, que se exclua o termo cobertura universal de saúde do novo texto da Declaração de Astana.

Na concepção brasileira (e de outros países em desenvolvimento), cobertura universal é uma proposta neoliberal e antagoniza com o direito e o acesso universal à saúde, previstos na Constituição. Como se diz na minha terra, isso ainda vai dar muito pano pra manga. Aguardem.


 

A colunista viajou a convite da Global Health Strategies

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.