Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Nicolás Maduro Venezuela

Uma Síria na fronteira Norte

Fuga de venezuelanos faz de Roraima uma cópia dos acampamentos do Oriente Médio

Venezuelano arruma barraca no abrigo Tancredo Neves, em Boa Vista; capital de Roraima recebeu cerca de 40 mil imigrantes do país vizinho
Venezuelano arruma barraca no abrigo Tancredo Neves, em Boa Vista; capital de Roraima recebeu cerca de 40 mil imigrantes do país vizinho - Gabriel Cabral - 18.jan.2018/Folhapress

Prevê Dany Bahar, pesquisador da Brookings Institution dos Estados Unidos: "A próxima crise de refugiados não será causada por uma guerra violenta, mas por um desastre socioeconômico de magnitude raramente vista antes".

É óbvio que ele está falando da Venezuela. E errou apenas pelo tempo: já está em curso a crise, do que vem dando prova diariamente o "Jornal Nacional" da Rede Globo ao mostrar o drama dos refugiados venezuelanos em Roraima.

Se se tirasse o som das reportagens e deixar apenas as imagens, poder-se-ia facilmente imaginar que estão sendo mostradas cenas de acampamentos de refugiados em algum país africano ou de refugiados sírios na Turquia ou na Jordânia.

Com uma diferença essencial: os acampamentos nestes dois últimos países são bem mais decentes do que Roraima, um dos Estados brasileiros mais pobres, está conseguindo oferecer aos venezuelanos.

É compreensível: a comunidade internacional se mobilizou, pouco ou muito, bem ou mal, para ajudar os sírios que fogem da guerra.

No caso dos venezuelanos, ou ainda não deu tempo para tal mobilização ou não há consciência da gravidade da crise, pelo fato de não ter havido uma guerra que motivasse o êxodo em massa.

Mas os números da diáspora estão próximos: calcula-se que 5,5 milhões de sírios fugiram da guerra, ao passo que os venezuelanos em fuga são mais ou menos 3 milhões.

É difícil, em todo caso, fazer um cálculo exato porque, segundo os cálculos da "Voz da Diáspora", um observatório venezuelano com base na Espanha, eles estão espalhados por 90 países.

Se são 3 milhões, dá mais ou menos 10% da população venezuelana de 32 milhões de habitantes. Para pôr em proporção: equivaleria a 21 milhões de brasileiros fugindo do país. Seria como se duas vezes a população de São Paulo, a maior cidade do país, deixasse a cidade.

A mais recente onda migratória começou em 2015 "e se acelerou exponencialmente nos dois anos mais recentes", informa para "El País" o sociólogo Tomás Páez, que dirige a "Voz da Diáspora".

Páez coincide com Dany Bahar em prever um agravamento da crise: "82% da população do país se empobreceu, o que dá condições para uma nova onda de migrações".

Reforça essa perspectiva o fato de que 59% dos venezuelanos têm ao menos um parente direto vivendo no exterior. Mesmo entre os adeptos do chavismo, são 46% os que se encontram nessa situação.

Os dados de um fracasso sem precedentes na administração de um país originalmente rico são igualmente impressionantes. Três deles: com o salário mínimo atual, o máximo que um venezuelano pode comprar é um ovo por dia; quem tivesse comprado US$ 1 milhão há 15 anos estaria hoje com apenas US$ 7; dados da FAO (dirigida por um brasileiro indicado por Lula) informam que, em 2014/15, havia 4,1 milhões de venezuelanos subalimentados, quatro vezes mais que em 2010/2012.

Ainda assim, como aconteceu com a Síria, a comunidade internacional se mantém inerte e, a esquerda, pior ainda, continua sócia do fracasso.

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