Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

A tropa de elite x Trump

Os jornalistas da Casa Branca e sua saudável agressividade

Tenho sérias dúvidas de que Donald Trump consiga disciplinar a tropa de elite da mídia, mais conhecida como White House Press Corps ou Corpo de Imprensa da Casa Branca. O “imprensa” aí vai pelo fato de que é do tempo em que jornalismo era coisa de jornais, com perdão da redundância, e a brava gente não era ainda chamada de mídia (nem de fake news, por falar nisso).

Essa turma é de uma agressividade sem limites. É bom que o seja. Nada como tirar da zona de conforto os poderosos de turno. E não há ninguém no mundo mais poderoso que o ocupante da Casa Branca. Logo, crivá-lo de perguntas é saudável, desde que, é claro, se preserve a educação básica no relacionamento entre pessoas, poderosas ou não.

Agressividade, aliás, é uma característica dos jornalistas americanos em geral, não apenas da turma da Casa Branca. Minha primeira exposição ao jeito fofo de ser do jornalismo dos Estados Unidos até me assustou. Foi em 1973, na cobertura do golpe no Chile. Todos os dias, havia um briefing —o jargão que usamos para sessão informativa— de Federico Willoughby, porta-voz da ditadura.

Estagiária da Casa Branca tenta tirar microfone do jornalista da CNN Jim Acosta durante entrevista coletiva do presidente Donald Trump, na Casa Branca - Jonathan Ernst-07.nov.2018/Reuters

A sala de imprensa, no antigo Hotel Carrera, bem atrás do devastado Palácio de la Moneda, ficava sempre cheia, até porque havia toque de recolher e ninguém se atrevia a ficar pelas ruas depois das 18h.

Eu vinha do Brasil do general Emílio Garrastazu Médici, o período mais duro da repressão e da censura à imprensa. Estava, pois, acostumado ao silêncio dos cemitérios. Já os jornalistas americanos fuzilavam Willoughby com perguntas, umas mais agressivas que as outras. No dia seguinte, eu checava visualmente se os jornalistas que haviam feito as perguntas mais duras continuavam comparecendo às sessões.

Temia que desaparecessem, uma prática que ditaduras usam em toda parte, Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, para citar apenas a vizinhança.

Em favor do porta-voz da ditadura diga-se que depois rompeu com a Junta Militar e passou a apoiar a volta à democracia. O estrago já havia sido feito, mas é sempre melhor chamar ditadura pelo nome que tem do que pretender que não existiu, como o faz Jair Bolsonaro.

A dificuldade que Trump terá em conter o espírito rebelde do pessoal que cobre a Casa Branca será maior do que a que Willoughby enfrentou no Chile. O White House Press Corps é arrogante e se comporta como se fosse dono do espaço em que atua, quando fora da Casa Branca.

Uma vez, em Davos, os americanos simplesmente fecharam para uso exclusivo deles a sala de imprensa do Fórum Econômico Mundial quando da presença de Bill Clinton (ano 2000). E olhe que todas as mais reluzentes grifes da mídia mundial cobrem Davos e utilizam eventualmente a sala que os jornalistas da Casa Branca tomaram para si.

O normal é que os presidentes de turno tratem civilizadamente essa tropa de elite. Uma vez, fui a um dos briefings na Casa Branca, e fiquei à porta da sala, tentando ver onde me colocaria para não atrapalhar os colegas.

De repente, alguém bateu com os dedos no meu ombro, para pedir passagem. Abri caminho para Jimmy Carter, o próprio presidente (foi bem antes, óbvio, do 11 de Setembro, e, portanto, os esquemas de segurança eram frouxos).

Trump não é um presidente civilizado. Logo, acaba sendo natural que sua arrogância instintiva bata de frente com a agressividade do White House Press Corps. A ver quem ganha. Aposto em Trump, que pode usar tuítes para escapar do saudável escrutínio dessa tropa de elite, armada apenas de perguntas.

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