Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

A noite dos cristais continua no horizonte

O antissemitismo, 80 anos depois daquele horror

Sexta-feira (9) é o 80º aniversário da Kristallnacht, a noite dos cristais quebrados, a brutal ofensiva nazista contra os judeus. Fala muito mal da humanidade o fato de que, tanto tempo depois, avança uma onda de antissemitismo, na Europa mas também nos Estados Unidos, e, mais amplamente, uma onda de intolerância.

Da Alemanha, em todo o caso, fala bem o fato de que a chanceler Angela Merkel, vai participar da cerimônia de rememoração, discursando na maior sinagoga de Berlim, em companhia de políticos graduados.

Fumaça emana da sinagoga de Michelsberg, em Wiesbaden (foto em preto e branco)
A sinagoga de Michelsberg, em Wiesbaden, Alemanha, pega fogo após a Noite dos Cristais, que marca a ofensiva nazista contra os judeus na Alemanha sob Hitler - FineArtImages/Leemage-10.nov.1938/ AFP

Sinal de que a Alemanha conseguiu fazer o mea culpa a respeito do passado.

Triste, no entanto, é verificar que se repetem episódios de violência contra locais e/ou personalidades judaicas. Uma das vítimas está sendo o mega-investidor George Soros, judeu nascido na Hungria e naturalizado americano. Seu escritório chegou a receber um dos pacotes-bomba enviados há duas semanas a diversas personalidades críticas com Donald Trump.

Claro que não há como acusar Trump diretamente por esse ou por outros episódios de antissemitismo. Ele é um adepto fervoroso do Estado de Israel e seu genro é judeu praticamente.

O problema é que o caldo cultural que embalou o trumpismo usa, sim, Soros como suposto cérebro por trás do ”globalismo", o nome que os nacionalistas preferem para se referir à globalização. Seria também, o que é ainda mais inacreditável, um radical de extrema esquerda empenhado em minar a ordem estabelecida.

Qualquer semelhança com o uso de ”comunistas” ou ”vermelhos” para qualquer um que não reze pela Bíblia de Jair Bolsonaro não é mera coincidência. Afinal, Steve Bannon, o ideólogo dos antiglobalistas, incluiu Bolsonaro e sua turma entre os ídolos do Movimento, a internacional de extrema direita em gestação.

Soros seria, sempre segundo essa turma perigosamente alucinada, o financiador da caravana de desesperados migrantes centro-americanos que busca chegar aos Estados Unidos. Uma fake news difundida pela Radio e TV Martí, financiada com dinheiro público para criticar Cuba.

A emissora está sob investigação da agência de monitoramento da mídia, por ter difundido relatório do grupo conservador Judicial Watch, cujo diretor, Chris Farrell, disse que a caravana era financiada ”pelo Departamento de Estado ocupado por Soros". Não apresentou a mais leve prova.

Reação do senador Jeff Flake (republicano, diga-se):  "É antissemitismo com dinheiro público".

Antissemitismo com dinheiro público, difundido pela máquina de propaganda montada pelo nazismo, levou à Kristallnacht. É assustador constatar que 80 anos depois, o ódio pelo outro (seja qual for o outro) continua no ar, inclusive no Brasil.

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