Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes

STF: criticar para defender

Arbitrário e irresponsável, Supremo erra até quando acerta

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O Supremo Tribunal Federal é a vitrine mais reluzente da irresponsabilidade judicial brasileira. Da arbitrariedade também. Irresponsabilidade e arbitrariedade marcam sua forma de se relacionar com o mundo.

Não me refiro aos resultados das decisões do STF. O tribunal pode errar e acertar como qualquer outro. Erros e acertos honestos decorrem de juízos longe de incontroversos. Mas muitos desses erros são trágicos.

Lembra-se da revogação da cláusula de barreira? Surdo ao delicado debate legislativo que gerou a lei, embevecido numa retórica sobre pluralismo e minorias que ignorava todo saber empírico sobre eleições, o STF facilitou a conversão do sistema partidário num pulverizado balcão de negócios.

Há uma enciclopédia de exemplos: a permissão para a polícia invadir domicílios quando houver “fundadas razões”, cheque em branco para a violência (nas favelas); a autorização do ensino religioso confessional em escola pública, que libera o proselitismo escolar com recurso estatal. Silas Malafaia e Edir Macedo celebram a parceria público-privada.

Mas o trágico pode ficar para outro dia. Queria falar sobre o arbitrário e o irresponsável. É urgente observar “como” o STF decide, além de discutir “o que” decide. O “como” do STF é arbitrário porque o humor ou interesse oculto de um ministro bastam para obstruir, por anos a fio, o plenário e a esfera pública; porque qualquer frase de efeito ou anedota pode passar por “argumento jurídico” e “evidência”.

É irresponsável porque não presta contas nem explica os critérios de suas escolhas e prioridades; porque viola regras da ética e decoro judicial; porque faz da obscuridade seu manto de proteção contra o escrutínio público. Parece mera etiqueta, porém nada é mais importante para a sobrevivência do STF.

Os exemplos são infinitos: o caso sobre a Lei de Drogas, de 2011, que sofre seguidos adiamentos como se nada estivesse acontecendo (e a crise das prisões pudesse esperar); as liminares monocráticas que suspendem leis e voltam para a gaveta; os pedidos de vista que agridem o colegiado e postergam por tempo indefinido a solução do problema. O compasso do STF não está em sintonia com o interesse público. Tampouco com a virtude da espera.

Há também a lambança padrão-ouro. Nunca esqueceremos do pagamento ilegal de auxílio-moradia a juízes. Por cinco anos, uma liminar precária de Fux garantiu que o “plus” de R$ 5 bilhões, não reembolsados, fosse gasto com a magistocracia. Só cancelou a mesada quando o aumento salarial concedido pelo Congresso caiu na conta bancária. Uma “permuta”.

Há muito mais: as façanhas interpretativas e manipulações procedimentais no caso da execução provisória da pena tornaram qualquer resultado merecedor de justa desconfiança; o inquérito policial, com foco genérico e base legal extravagante, burlou sorteio entre ministros e fez do gabinete pré-selecionado uma delegacia contra os inimigos da corte.

O STF, em resumo, erra até quando acerta. É um erro de segunda ordem, que tem a ver com sua forma de agir, não com o conteúdo. Por trás da solenidade, há quase sempre um grau de lambança que infecta a autoridade de suas decisões. Boas ou más, tornam-se imprestáveis, indignas de respeito. Na sala de aula de faculdades de direito dos anos 2000, decisões do STF eram recebidas com deferência e curiosidade. Na década seguinte, passaram a ser lidas com incredulidade e escárnio.

Interpretação jurídica e jurisprudência podem ser o produto de um esforço intelectual sincero e sedimentar uma tradição. Ou podem ser uma farsa. Entre a farsa e a integridade judicial reside a possibilidade do Estado de Direito.

Ministros não reconhecem a emboscada que armaram para o STF. Seu caricato apego à liturgia atrapalha a visão (a deles, não só a nossa). Podem entrar para a história como os que empurraram o STF ao baixo clero dos Poderes. Ou podem fazer alguma coisa em nome das liberdades, mesmo que seja tarde demais.

Criticar a conduta de ministros é um dever. Defender um tribunal corajoso, também. Com a clareza e a sinceridade que pedimos deles, a clareza e a sinceridade que ainda nos sonegam.

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