Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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'Advocacia está em festa' com Aras, Bolsonaro também

PGR quer reformar a Constituição por debaixo dos panos

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A vida exige coragem e coragem não falta a Augusto Aras. Pelo menos foi com essas palavras que o procurador-geral da República dedicou sermão a colegas dias atrás. Defendia diálogo, mas declarou encerrada a sessão antes que alguém suspirasse. Mais que indigno, quebrou decoro ao insinuar que uma das grandes procuradoras do país "talvez não tenha família, ou talvez tenha". Interprete.

Aras reagia às objeções de colegas contra suas críticas ao Ministério Público Federal feitas em reunião com juristas, advogados atuantes na Lava Jato entre eles. "A advocacia está em festa", diziam.

Aluno aplicado do bacharelismo, Aras preenche com platitudes o vácuo de ideias e recita termos de efeito moral para elogiar sua gestão: "república, legalidade, moralidade, transparência". Não lhe peça para exemplificar na prática, pois ele encerra a sessão.

Quando fala dos vícios que supõe combater, tira do bolso outra listinha: "aparelhamento, caixa-preta, MPF do B, processos escondidos". Aras afirma promover igualdade genuína, não a "igualdade demagógica do anarco-sindicalismo". "Como tudo que ganha um ismo ao final, e vira lavajatismo, apresenta dificuldades."

Não há dúvida de que a Lava Jato violou a lei e intoxicou a política com discurso anticorrupção maniqueísta e persecutório, denominador comum de todos os ataques à democracia do século 20. Propôs revolução redentora por meio do varejo criminal contra adversário bem definido. Quebrou rituais de imparcialidade entre acusador e julgador. Tinha grande oportunidade e se perdeu.

O estrago foi feito, mas desconfie do que Aras quer colocar no lugar. Sua proposta adota modelo de Ministério Público que a Constituição recusou. Em vez de hierarquia e verticalização, optou-se por independência funcional.

Significa que o PGR não é chefe de procuradores da República. Retém as atribuições mais poderosas (como a de processar o presidente da República) e competências de chefia administrativa. Assim se organiza a unidade, a coordenação sem subordinação.

Ao pedir livre acesso, sem critério, a investigações sigilosas, Aras não vai matar a tecnologia de perseguição da Lava Jato. Apenas a centraliza e a torna mais perigosa. E poderá oferecê-la de bandeja ao presidente da República, sob recompensa.

A pauta da reunião com advogados vendia falso dilema: ou se é aliado da Lava Jato, ou se é aliado de Aras. Se apenas as duas opções estão na mesa é porque a opção constitucional foi embora sem aviso. Arapuca perfeita, pois ambos os caminhos cultivam o bolsonarismo.

Aras é o único operador da política brasileira capaz de confundir os lados no jogo da corrosão democrática: sob a promessa de destruir a Lava Jato, consegue fazer a mediação entre Bolsonaro, centrão, partidos de esquerda e ministros antilavajatistas do STF. De brinde, leva a cumplicidade das Forças Armadas, acuadas por sua incompetência amazônica e pandêmica.

Ao concentrar poder e informação sigilosa, Aras disporá de arma extraordinária de intimidação e chantagem. Uma Lava Jato monocrática e turbinada, sem mecanismo de controle.

As forças-tarefas espalhadas pelo país, bem ou mal, sujeitam-se à supervisão judicial. Em Curitiba esse controle falhou de modo espetacular. O frenesi anticorrupção agraciou a força tarefa com a credencial do bom-mocismo e Sergio Moro com o dom da infalibilidade e da autolegalidade (poder de inverter o significado da lei). Tínhamos um juiz em cruzada messiânica, um TRF de joelhos e um STF deslumbrado.

Foram lenientes também a corregedoria e o Conselho Nacional do Ministério Público. Que se faça diagnóstico informado da patologia e se encontre um remédio eficaz. Concentrar poderes nas mãos do PGR é multiplicar a dose do veneno.

Aras foi a grande nomeação de Bolsonaro. Não há ator com poder equivalente para desarticular o concerto de instituições ainda não entregues ao projeto bolsonarista.

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