Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

2º turno é guerra atômica

Derrotar Bolsonaro mais cedo não é salvação, mas atenua riscos, danos e violência

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Se sobrevivemos a 45 meses de governo contra a vida e contra a lei, por que não 46? Se, apesar do esforço do governo Bolsonaro de cortar oxigênio cívico e pulmonar, ainda respiramos, e se o exitoso programa de empobrecimento e embrutecimento não nos matou em 45 meses, por que não deixar a festa da democracia correr por mais quatro semanas? Que diferença fariam no nosso futuro esses 28 dias entre 2 e 30 de outubro?

A resposta curta: 1º turno é guerra de trincheira; eventual 2º turno, na presença do maior programa de delinquência política na história da democracia brasileira, converte-se em guerra atômica. Quem afirma que Bolsonaro não tem chance de virada eleitoral, e prefere esperar o 2º turno para o voto do mal menor, ignora a diferença. Subestima a magnitude do risco.

Urnas eletrônicas que serão usadas nas eleições - Rubens Cavallari - 22.ago.22/Folhapress

A guerra de trincheira produz incidentes graves e mortes. Voto menos livre. A guerra atômica ameaça a possibilidade da eleição e magnifica a incerteza das consequências que o resultado das urnas pode produzir.

Guerra de outro tipo, com outras armas e outro desfecho. Sua prevenção exigirá concessões ainda mais custosas à democracia, não bastassem as profundas concessões já feitas pela elite política (congressual e partidária) e pelo sistema de Justiça (eleitoral e criminal) à criminalidade serial instalada em todo edifício governamental. E concessões às Forças Armadas, instituição que o Brasil nunca deixa de premiar pelos serviços não prestados.

A resposta longa precisaria descrever como o arsenal de Bolsonaro pode ser utilizado de modo mais agudo e decisivo num confronto eleitoral entre dois finalistas.

Não teremos apenas novos gritos para "fuzilar militantes" e mandá-los para a "ponta da praia". Quem pensa que discurso de ódio é apenas uma fala mal educada, talvez não tenha tomado consciência da posição de onde escuta. Para o cientista político distraído em seu gabinete apreciando "instituições funcionado", podem ser só palavras que se desmancham no ar. Para quem habita a franja da sociedade brasileira, é apito autorizador para matar.

Teremos também novas ameaças de desobediência às urnas. "Autocratas sempre começam com palavras", lembrou Steven Levitsky, um dos grandes estudiosos sobre erosão da democracia no mundo e autor de "Como as Democracias Morrem". Genocídios também começam com palavras, diga-se de passagem (perdão por lembrar isso "de passagem"). Bolsonaro já deu muitos passos para além das palavras.

Outubro é janela de oportunidade para o impensável acontecer. Não só uma deslealdade ou anomalia no processo, ou novos disparos de mentiras sem que haja tempo para o contraponto factual. Mas operações orquestradas, com ou sem coordenação governamental, que fabriquem pretextos para intervenções de exceção.

Afinal, o número de armas registradas subiu de 350 mil para mais de 1,3 milhão no período Bolsonaro. Armas que governo e exército abdicaram de fiscalizar. Temos cidadãos com mais armas do que as forças de segurança do país. E temos 900 milhões de munições, "cinco tiros para cada brasileiro", como apontou Carolina Ricardo. Bolsonaro e seu exército civil fazem amor por telepatia.

Há quem acuse a defesa do voto útil de "terrorismo eleitoral" e "atentado à democracia". Não é só arroubo infantil, mas equívoco sobre política. Primeiro, porque seguem desimpedidos de exercer o direito de votar em qualquer um. Segundo, porque nenhuma liberdade está isenta de interpelação e responsabilidade. A interpelação, nesse caso, é apenas moral e política. Não viola direito ou dever de respeito. Ninguém tem direito à consciência tranquila.

"Sou irresponsável por não votar no único candidato capaz de encerrar as eleições no primeiro turno?", perguntou Joel Pinheiro a Levitsky no Roda Viva. "Irresponsável seria muito forte", disse gentilmente, mas é "arriscado": "a melhor maneira de proteger a democracia quando Bolsonaro tenta atacar a legitimidade da eleição e criar uma crise é a vitória massiva da oposição no primeiro turno."

Quem esperava, após a radical degradação da democracia brasileira, a emergência de uma eleição redentora, na presença de candidatos dos sonhos e competitivos, com capacidade de nos salvar e abrir um futuro luminoso, vai se decepcionar. A decepção, por sinal, é um sentimento democrático universal.

Voto de sobrevivência não é voto do medo frívolo, do mal-estar ideológico, do desconforto com o diferente. Não é o voto Regina Duarte, saudosa de um país viril e truculento, que a reduzia à namoradinha do Brasil. É voto de quem não quer tomar um tiro de aniversário nem ser espancado na rua e esfaqueado no bar.

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