Entre os lugares aos quais o jovem Sean Connery entregava leite, estava a Fettes School, em sua Edimburgo natal. Anos depois, o escritor Ian Fleming faria dessa a escola de James Bond. O autor queria Cary Grant para encarnar seu herói no cinema, mas, depois de ver a performance de Connery em "O Satânico Dr. No" (1962) ficou tão convencido, que passou a dar um histórico escocês ao agente nos livros.
O primeiro filme com o agente tem uma cena marcante. Num cenário idílico, com paredes de pedra e janelas revelando o mar e seus peixes, 007 recebe de um garçom uma bebida. O traiçoeiro Dr. No garante: dry martíni, batido, não mexido. "Vodca?", pergunta Bond, tendo ao lado a estonteante Ursula Andress. "Mas é claro", diz seu anfitrião, mais seco que o coquetel, quase ofendido.
Vodca não era uma bebida popular nos tempos em que Connery, além de entregar leite, polia caixões, jogava futebol, disputava o prêmio de Mr. Universo, posava para estudantes de arte e atuava em pequenas peças teatrais. Nessa época, o mais provável é que tomasse pints e o infalível uísque escocês.
Fleming, ex-agente da inteligência naval britânica e ele mesmo um tomador de gim e uísque, incluiu a vodca como elemento exótico, sexy, que remetia à misteriosa URSS, adversária na Guerra Fria. Digamos que ele captou o zeitgeist dos anos 1950 e começo dos 60 pela porta do bar.
A venda de vodca realmente disparou nesses anos. E a atitude de pedir o martíni batido ganhou espaço. Mas é, como muitos bartenders alegam, algo bem fora do padrão. Ao chacoalhar os ingredientes numa coqueteleira, a vodca fica diluída e o drinque salpicado de pequenos pedaços de gelo. O presidente americano interpretado por Michael Sheen na série "West Wing" chega a brincar com o agente, dizendo que ele, todo metido, na verdade tomava uma bebida fraca.
Certamente Fleming quis dar um toque de estilo ao seu personagem, um dos maiores bebedores da literatura e do cinema. Outra explicação, é que ao tomar seu drinque diluído, Bond fazia com que seus inimigos pensassem que estivesse mais bêbado do que realmente estava. Ou seja: tinha, como sempre, o controle da situação.
Fato é que a frase "shaken, not stirred" virou marca.
Existe um vídeo com a fala na boca dos diversos atores que interpretaram Bond. Todos são convincentes e deixam os barmen aflitos, temerosos de não preparar a contento aquele pedido heterodoxo. O mais natural, porém, é mesmo o saudoso Connery. Ele não precisa ser ríspido para impor autoridade.
Daniel Craig é seu contrário nesse aspecto. No filme "Cassino Royale" (2006), ele está numa roda de apostas e pede um martíni. Não um vodca martíni, e sim o que ficaria conhecido como Vesper Martíni. Craig rosna em alta velocidade as instruções ao coitado do garçom, que sua frio. Intimidados, todos na mesa pedem um igual.
Bond batiza o coquetel em homenagem a Vesper Lynd, a bela agente dupla por quem se apaixona e por quem quase abandona o Serviço Secreto. O batismo é apropriado, já que a combinação gim-vodca faz desse um coquetel "duplo". A receita aparece pela primeira vez em 1953, no primeiro romance publicado por Fleming, o "Cassino Royale" original. Idiossincrático, o Bond literário também detestava chá. Dizia ter sido a causa da queda do Império Britânico. Preferia café jamaicano.
Mas antes de passar a receita do Vesper, uma saudação a Connery. membro do partido de centro-esquerda que defendia a independência da Escócia, bebia bem seu uísque, a ponto de algumas lutas de espada nas filmagens de "Highlander" (1986) ficarem realmente perigosas (e é fácil imaginar o grande ator se divertindo com isso). Ao fim da vida, e contra restrições médicas, continuou bebendo. Só trocou os destilados por merlots chilenos e vinhos californianos, que encomendava em caixas. Ele podia.
VESPER MARTÍNI
Ingredientes
- 60 ml de gim
- 20 ml de vodca
- 10 ml de Lillet Blanc
- Gelo e uma casca de limão
Passo a passo
Bata os três primeiros ingredientes com gelo numa coqueteleira. Coe para uma taça martini previamente gelada e acrescente uma casca de limão.
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