Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

Martíni, Vesper Martíni

A saga dos martínis heterodoxos de James Bond; e uma homenagem a Sean Connery

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Entre os lugares aos quais o jovem Sean Connery entregava leite, estava a Fettes School, em sua Edimburgo natal. Anos depois, o escritor Ian Fleming faria dessa a escola de James Bond. O autor queria Cary Grant para encarnar seu herói no cinema, mas, depois de ver a performance de Connery em "O Satânico Dr. No" (1962) ficou tão convencido, que passou a dar um histórico escocês ao agente nos livros.

O primeiro filme com o agente tem uma cena marcante. Num cenário idílico, com paredes de pedra e janelas revelando o mar e seus peixes, 007 recebe de um garçom uma bebida. O traiçoeiro Dr. No garante: dry martíni, batido, não mexido. "Vodca?", pergunta Bond, tendo ao lado a estonteante Ursula Andress. "Mas é claro", diz seu anfitrião, mais seco que o coquetel, quase ofendido.

Vodca não era uma bebida popular nos tempos em que Connery, além de entregar leite, polia caixões, jogava futebol, disputava o prêmio de Mr. Universo, posava para estudantes de arte e atuava em pequenas peças teatrais. Nessa época, o mais provável é que tomasse pints e o infalível uísque escocês.

Fleming, ex-agente da inteligência naval britânica e ele mesmo um tomador de gim e uísque, incluiu a vodca como elemento exótico, sexy, que remetia à misteriosa URSS, adversária na Guerra Fria. Digamos que ele captou o zeitgeist dos anos 1950 e começo dos 60 pela porta do bar.

A venda de vodca realmente disparou nesses anos. E a atitude de pedir o martíni batido ganhou espaço. Mas é, como muitos bartenders alegam, algo bem fora do padrão. Ao chacoalhar os ingredientes numa coqueteleira, a vodca fica diluída e o drinque salpicado de pequenos pedaços de gelo. O presidente americano interpretado por Michael Sheen na série "West Wing" chega a brincar com o agente, dizendo que ele, todo metido, na verdade tomava uma bebida fraca.

Certamente Fleming quis dar um toque de estilo ao seu personagem, um dos maiores bebedores da literatura e do cinema. Outra explicação, é que ao tomar seu drinque diluído, Bond fazia com que seus inimigos pensassem que estivesse mais bêbado do que realmente estava. Ou seja: tinha, como sempre, o controle da situação.

Fato é que a frase "shaken, not stirred" virou marca.

Existe um vídeo com a fala na boca dos diversos atores que interpretaram Bond. Todos são convincentes e deixam os barmen aflitos, temerosos de não preparar a contento aquele pedido heterodoxo. O mais natural, porém, é mesmo o saudoso Connery. Ele não precisa ser ríspido para impor autoridade.

Daniel Craig é seu contrário nesse aspecto. No filme "Cassino Royale" (2006), ele está numa roda de apostas e pede um martíni. Não um vodca martíni, e sim o que ficaria conhecido como Vesper Martíni. Craig rosna em alta velocidade as instruções ao coitado do garçom, que sua frio. Intimidados, todos na mesa pedem um igual.

James Bond (Daniel Craig) bebe o drinque Vesper Martini em 'Cassino Royale' (2006)
James Bond (Daniel Craig) bebe o drinque Vesper Martini em 'Cassino Royale' (2006) - Reprodução

Bond batiza o coquetel em homenagem a Vesper Lynd, a bela agente dupla por quem se apaixona e por quem quase abandona o Serviço Secreto. O batismo é apropriado, já que a combinação gim-vodca faz desse um coquetel "duplo". A receita aparece pela primeira vez em 1953, no primeiro romance publicado por Fleming, o "Cassino Royale" original. Idiossincrático, o Bond literário também detestava chá. Dizia ter sido a causa da queda do Império Britânico. Preferia café jamaicano.

Mas antes de passar a receita do Vesper, uma saudação a Connery. membro do partido de centro-esquerda que defendia a independência da Escócia, bebia bem seu uísque, a ponto de algumas lutas de espada nas filmagens de "Highlander" (1986) ficarem realmente perigosas (e é fácil imaginar o grande ator se divertindo com isso). Ao fim da vida, e contra restrições médicas, continuou bebendo. Só trocou os destilados por merlots chilenos e vinhos californianos, que encomendava em caixas. Ele podia.

VESPER MARTÍNI

Ingredientes

  • 60 ml de gim
  • 20 ml de vodca
  • 10 ml de Lillet Blanc
  • Gelo e uma casca de limão

Passo a passo
Bata os três primeiros ingredientes com gelo numa coqueteleira. Coe para uma taça martini previamente gelada e acrescente uma casca de limão.

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