Mesmo a guerra mais encarniçada tem seus oásis de descanso. O rugido incessante das bombas e o silvo dos tiros dá lugar às risadas e cantorias. Numa dessas pausas, depois de conhecerem o inferno em Guadalcanal, ilha no sudeste asiático, três marines sentam-se num bar em Melbourne.
Mataram e quase foram mortos, e agora merecem beber e flertar com as garçonetes, o que é melhor que qualquer medalha. Sem freios para preencher o alívio, pedem uma artilharia pesada. Cerveja, vodca, gim e rum. Uísque, bourbon e rye. Conhaque e vermute doce. E misturam tudo, bebendo da caneca cheia sem respirar.
A garçonete, divertida, diz: "Nesse ritmo vocês vão arrumar problema." E arrumam, claro. Não sem antes brindar a um colega morto.
"O Pacífico", minissérie produzida por Spielberg e Tom Hanks, é muito bem-feita, mas não mistura pontos de vista. Os japoneses quase não aparecem e, quando o fazem, são figuras indistinguíveis, um bando de suicidas gritando histericamente.
A cena no bar remonta à infância —e talvez por isso esteja ali. Os marines são jovens com saudades de casa. Misturar tudo, especialmente o que não se mistura, é a molecagem que lhes cabe naquele momento. Só falta o liquidificador.
Choderlos de Laclos era general do Exército francês, tendo lutado pela revolução. Em meio à construção de um forte na hoje chamada Charente-Maritime, escreveu "As Ligações Perigosas", obra-prima sobre manipulação, vingança e sedução. O romance epistolar foi publicado em 1782, com enorme sucesso e muito escândalo.
Inúmeras versões das maquinações da Marquesa de Merteuil surgiram no teatro, TV, balé, ópera e especialmente no cinema. Há o filme de Roger Vadim, com Jeanne Moreau, o de Stephen Frears, com Glenn Close, o de Milos Forman, com Annette Bening, e ainda uma adaptação coreana e uma chinesa.
O universo teen também se viu seduzido. "Segundas Intenções", de 1998, trouxe Reese Witherspoon e Ryan Phillippe para o ringue dos jogos sexuais imaginados por Laclos. Num dos momentos de alcova, Philippe oferece um chá gelado para a personagem de Selma Blair.
Ela o bebe despreocupada, por um canudo cheio de curvas, verdadeira cobra do Paraíso. Logo fica zonza, presa fácil, e comenta que o chá é meio esquisito. Ele responde que vem de Long Island.
O chá de Long Island nada mais é que o Long Island Iced Tea, um dos coquetéis mais poderosos já criados. Como o mix alucinado dos marines, reúne vários destilados de base. E se apresenta como uma bebida inocente e refrescante. Daí que muitos acreditam ser da era da Lei Seca, pois disfarça seu conteúdo.
Especulações à parte, o drinque despontou ao mesmo tempo e com poucas variantes em dois bares de Long Island, perto de Nova York, nos anos 1970 —o Oak Beach Inn e o Leonard's. E virou presença frequente em happy hours e festas universitárias, onde o fundamental é sair logo do chão, flutuar —e desabar.
É uma poção isenta de sutilezas, mas que, bem dosada (algumas receitas elevam as apostas), pode amenizar as batalhas diárias, as explosões de ruído nas ruas, a claustrofobia das trincheiras em que nos metemos. Como dizia Leonard Cohen, é pelas rachaduras que entra a luz.
LONG ISLAND ICED TEA
15 ml de vodca
15 ml de gim
15 ml de rum
15 ml de tequila
15 ml de licor de laranja
15 ml de xarope de açúcar
30 ml de suco de limão
Cerca de 60 ml de Coca-cola
Bater os sete primeiros ingredientes com gelo e coar para um copo Collins com bastante gelo. Completar com o refrigerante e mexer. Decorar com uma fatia de limão.
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