Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

Espião da Resistência criou o mimosa em Paris

O nome vem de uma planta, mas poderia ter vindo da palavra em português

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Paris, 1944. Coco Chanel é chamada para depor no Comitê de Expurgo da França Livre. O nome sinistro, em contraste com as belas e minimalistas criações da estilista, resumia o esforço de punir os colaboracionistas durante a ocupação nazista. Chanel tinha se relacionado com um espião alemão, aristocrata de mãe inglesa, daí as suspeitas. Ao final, seu amigo Churchill intercedeu e ela foi liberada —como a cidade.

Nesse período, ela morava no Ritz, um dos hotéis mais luxuosos de Paris, frequentado pela realeza europeia, milionários, socialites e estrelas como Greta Garbo, Chaplin, os escritores Proust e Hemingway e tantos outros. Outro habitué, Irving Berlin já dizia, na canção "Puttin'on the Ritz": "Se você está triste e não sabe para onde ir/ Por que você não vai onde a moda está?/ Lá no Ritz".

Rainha da moda, Chanel deve ter voltado para o hotel aliviada, mas ainda um tanto perturbada. Eram tempos de júbilo e culpa. Imagino que tenha descido com sua elegância impassível para o bar do Ritz e pedido um coquetel com champanhe a Frank Meier, o head bartender.

Coco Chanel em 1944, em Paris - AFP

Figura lendária entre os mixógrafos (historiadores do nobre ato de preparar bebidas —e de beber), Meier fora, também, espião —mas para a resistência francesa e os ingleses. Sua posição permitia-lhe entreouvir várias conversas dos oficiais nazistas que circulavam em peso no hotel. O detestável Göring, comandante da Luftwaffe, a força aérea alemã, era um deles.

Austríaco, meio judeu, Meier também ajudou os hóspedes judeus a conseguir passaportes falsos e assim escapar aos campos de concentração. E esteve presente na noite em que oficiais tramaram o atentado contra Hitler.

Considerava o atendimento de suma importância. Chegava a carregar malas daqueles que apareciam para um trago antes do check-in ou check-out. Para ele, o lugar ideal do bartender era na frente do balcão, sorrindo, servindo e espionando. Daria um bom personagem do próprio Hemingway, que acabou rebatizando com seu nome o bar, depois de peripécias tais como liberar o Ritz da ocupação alemã no finzinho da guerra, valendo-se de uma tropa de membros da Resistência. Sem contar as não menos épicas bebedeiras.

Como teriam sido os encontros de Chanel e Meier? Um espionando o outro? Teria ele acendido o cigarro da dama, na ponta da piteira? E então perguntado, como quem não quer nada, e com palavras bem escolhidas, se o namorado dela não viria ao bar? Talvez. Com certeza deve ter-lhe oferecido um mimosa, coquetel simples e elegante, de suco de laranja e champanhe. Era, afinal, uma de suas criações.

O mimosa existe desde 1925, mas só teve a receita publicada em livro de 1936, do próprio Meier, editado pelo Ritz, "The Artistry of Mixing Drinks". O livro também traz indicações de como fazer o buck's fizz, muito parecido com o mimosa, criado em 1921 por Pat McGarry, no Buck's Club de Londres. A diferença está na proporção de champanhe —maior, no caso do buck's fizz.

O drinque viria a ser, ao lado do bloody mary, a principal pedida nos brunchs. Por motivos óbvios. É leve. É refrescante. E não ataca os sentidos logo cedo. O nome vem da planta mimosa, Acacia dealbata, mas poderia ter vindo da palavra em português: "suave e graciosa".

O importante é que, mesmo no apagar das luzes, "sempre teremos Paris".

MIMOSA

90 ml de champanhe

90 ml de suco de laranja (fresco e gelado)

Ponha 45 ml de champanhe na taça goblet com gelo. Despeje o suco e complete com o resto do champanhe. O melhor é não mexer.

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