Deborah Bizarria

Economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres

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Vieses cognitivos têm papel fundamental na adesão à vacinação

Emoções influenciam mais as percepções de risco do que os números

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No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro tornou-se um exemplo emblemático do movimento de resistência às vacinas, tendo afirmado publicamente que não se vacinou contra a Covid-19 e, aparentemente, forjado documentos que comprovam a vacinação.

Também deu declarações questionando a eficácia e a segurança das vacinas, mesmo diante das evidências disponíveis. Bolsonaro não está sozinho: de acordo com a revista The Lancet Digital Health, cerca de 31 milhões de pessoas seguem contas no Facebook que são contra as vacinas e aproximadamente 17 milhões se inscrevem em canais semelhantes no YouTube. Esses números levantam a questão: o que motiva as pessoas a não se vacinarem, ainda que seja comprovadamente benéfico para sua saúde e para a saúde dos demais?

Existem estudos que podem ajudar a esclarecer alguns dos vieses que afetam a decisão de se vacinar ou não. Alguns deles incluem vieses de disponibilidade, de confirmação e de percepção subjetiva dos riscos envolvidos. O viés de disponibilidade refere-se à tendência de julgar a probabilidade ou frequência de um evento com base em quão facilmente ele vem à mente, como exagerar a probabilidade de reações adversas raras. O viés de confirmação é a tendência de buscar ou interpretar informações que confirmam crenças ou hipóteses preexistentes, como acreditar que a vacina contra a Covid não é eficaz, mesmo com evidências contrárias.

Ambas as tendências foram encontradas em um estudo de Azarpanah e outros autores. O trabalho abordou as preocupações em relação aos eventos adversos das vacinas e buscou identificar os vieses cognitivos que conectam essas preocupações ao comportamento de hesitação vacinal. Ao analisar a literatura acadêmica, eles identificaram e categorizaram os vieses cognitivos que poderiam causar hesitação vacinal, adotando o modelo de adoção de precaução (PAPM). A partir do modelo, identificaram 15 vieses cognitivos, dos quais os mais relevantes para influenciar na descrença das vacinas e na decisão de vacinar foram justamente o de disponibilidade e de confirmação.

Ao lado de enfermeiro da Prefeitura de São Paulo, Débora Falabella elogia o SUS após se vacinar contra a Covid, em 2021 - Instagram/deborafalabellaoficial

Já a percepção subjetiva de riscos é a avaliação pessoal e individual que cada indivíduo faz sobre a ameaça de um perigo ou risco específico. Ela é influenciada por fatores cognitivos, como a estimativa da probabilidade e da severidade da ameaça, e por fatores emocionais, como o medo e a preocupação. No contexto de vacinação, a percepção de risco mediada pelos sentimentos para os possíveis efeitos colaterais da vacina pode impedir a intenção de vacinação, mesmo que a probabilidade de ocorrerem efeitos colaterais seja baixa. Por exemplo, o receio de experimentar um desconforto físico ou febre após tomar a injeção pode ser mais influente do que considerar que a maioria das pessoas não terá nenhum efeito adverso.

Um estudo conduzido por Britta Renner e Tabea Reuter buscou entender os fatores que contribuem para o medo em relação à vacina. O estudo analisou como as percepções de risco numéricas e afetivas afetam a intenção e o comportamento de vacinação contra a gripe A/H1N1 na Alemanha. Ao medir as percepções de risco associadas à infecção e à vacina em dois momentos, os resultados indicam que as percepções de risco mediadas pelas emoções são mais poderosas do que as percepções de risco a partir dos números.

A intenção de não vacinação está relacionada a percepções emocionais, não a uma avaliação balanceada das probabilidades. As pessoas que se sentem mais ameaçadas e preocupadas com a doença são mais propensas a se vacinar, mas a percepção de risco afetiva relacionada aos efeitos colaterais da vacina pode impedir a vacinação. Essa percepção emocional pode ocorrer ainda que o indivíduo saiba que a probabilidade de ter uma versão grave da doença é muito superior a de ter uma reação adversa.

Os vieses cognitivos têm um papel fundamental nessa decisão, e ignorá-los pode ser prejudicial para a saúde pública. Assim, os estudos apontam que, para garantir a adesão à vacinação, é importante fornecer feedback corretivo sobre as reações adversas das vacinas, mostrando que elas são leves e raras. Além disso, é necessário usar mensagens persuasivas, que enfatizem a eficácia das vacinas de modo palpável, a responsabilidade social de se vacinar e as graves consequências possíveis da não vacinação.

É crucial também que a atitude de lideranças políticas seja de apoio às campanhas, não de desencorajamento, como fez o ex-presidente Jair Bolsonaro. A decisão de se vacinar ou não tem consequências individuais e coletivas, podendo fazer a diferença entre a vida e a morte, como se observou durante a pandemia do Covid-19.

Levar em conta os vieses cognitivos e as emoções ao criar campanhas de vacinação pode fazer a diferença na adesão a elas.

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