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Estudo revela mecanismo por trás de rara miocardite em adolescentes após vacina da Covid

Em número muito pequeno de casos, ação exagerada de células de defesa produz inflamação do tecido cardíaco

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São Paulo

As vacinas contra Covid tiveram sua segurança e eficácia avaliadas em milhares de pessoas em todo o mundo antes de serem aprovadas para uso em larga escala.

Mesmo assim, alguns efeitos raros relacionados à vacinação só podem ser observados depois de aplicadas em milhões de pessoas. Um desses efeitos é a miocardite ou pericardite (inflamação do tecido do coração), que foi observada em um número muito pequeno de casos, ainda que de relevância médica, em jovens e adolescentes do sexo masculino após a vacinação com a Pfizer.

Vacina contra Covid é aplicada em adolescente na UBS Veleiros em São Paulo
Vacina contra Covid é aplicada em adolescente na UBS Veleiros em São Paulo - Danilo Verpa - 30.ago.21/Folhapress

O mecanismo por trás deste evento adverso ainda era desconhecido, mas um novo estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade de Yale e publicado nesta sexta (5) na revista especializada Science Immunology, acaba de revelar como ele ocorre.

Segundo a pesquisa, não foi encontrada uma associação entre a miocardite e os anticorpos induzidos após a vacinação, tampouco a uma doença autoimune dos pacientes ou hipersensibilidade aos componentes da vacina. O que os pesquisadores observaram foi uma resposta exagerada do próprio organismo como resposta a uma inflamação do tecido, produzindo mais danos e ele.

O estudo analisou 23 amostras de sangue de pacientes (87% eram homens) com idade de 13 a 21 anos que tiveram um quadro de miocardite de um a quatro dias após a segunda dose das vacinas de mRNA. Os sintomas dessa inflamação foram em geral dores no peito, palpitações, febre e perda de fôlego, entre outros. Indivíduos vacinados com duas doses da vacina monovalente e que não apresentaram miocardite foram incluídos como controle.

Nos pacientes com miocardite, foi observada uma quantidade elevada de duas moléculas indutoras da resposta imune exacerbada, como citocinas e glóbulos brancos, agindo de forma a atacar o próprio organismo.

Estas células de defesa eram em geral citotóxicas ou matadoras naturais (chamadas de NK ou natural killers, em inglês), ambas responsáveis por destruir outras células do organismo que estejam infectadas por vírus ou agindo de maneira errática (por exemplo, células tumorais). Os autores chamaram esse fenômeno de "citocinopatia", ou uma condição causada pelas citocinas, como o que ocorria com a tempestade de citocinas no pulmão em alguns casos de infecção pelo Sars-CoV-2.

Para Carrie Lucas, professora associada de imunologia na Universidade de Yale e autora correspondente do estudo, a importância da pesquisa é que, embora fosse muito raro, ao vacinar milhões de crianças e adolescentes foi possível observar esse efeito, por isso era fundamental entendê-lo melhor. "Uma das implicações desse estudo é que não só ele traz explicação do fenômeno, mas também indica para uma redução do risco de miocardite quanto maior o intervalo entre as doses", afirmou.

Os casos de miocardite foram registrados em geral após a segunda dose da vacina, e a pesquisadora sugere que a aplicação das doses seja espaçada para minimizar os possíveis efeitos adversos raros.

Akiko Iwasaki, imunologista e pesquisadora principal do Laboratório de Imunologia da Universidade de Yale e do Instituto Médico Howard Hughes, disse que não foram encontrados nas amostras dos pacientes marcadores indicando uma resposta induzida pela proteína S do Spike (ou espícula, usada pelo coronavírus para entrar nas células), o que sugeriria uma reação ao antígeno (parte do vírus contra o qual se deseja produzir resposta imune) no corpo.

A equipe de Iwasaki é uma das mais proeminentes na área de investigação dos atores envolvidos na resposta imunológica, incluindo como nosso organismo combate novos vírus e patógenos e a resposta gerada por vacinação ou proteção induzida por infecção natural.

"O que observamos foi que a resposta é induzida por linfócitos [glóbulos brancos], e não a um antígeno específico, seja ele produzido pela vacinação [anticorpos anti-Spike] ou infecção do Sars-CoV-2", explicou.

Tratamento e incidência

Como a miocardite foi tratada na maioria dos casos com recuperação total do indivíduo, os pesquisadores sugerem que ao menor sinal de dores no peito e palpitações as crianças e adolescentes sejam levados para acompanhamento médico. "O tratamento é o mesmo que para qualquer outra inflamação, mas é claro que precisamos pensar no uso de corticosteróides a longo prazo, então não recomendamos uso de anti-inflamatórios profiláticos para evitar o risco de miocardite", disse a imunologista.

As autoras reforçam que há um risco mais elevado de miocardite ou pericardite como consequência da infecção pelo coronavírus e sequelas da Covid longa, mas isso não foi avaliado no estudo, que analisou apenas casos de miocardite em pacientes que não tiveram um quadro prévio de Covid.

Segundo dados do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) americano, entre 2.507.209 e adolescentes de 12 a 17 anos vacinados no país, foram identificados 54 casos de miocardite, demonstrando ser um evento muito raro da vacina. A incidência acumulada de miocardite na população adolescente masculina foi de 36 casos a cada 100 mil pessoas. Em relação à infecção por Sars-CoV-2, a incidência foi quase o dobro, de 65 casos por 100 mil pessoas.

A pesquisa pode ajudar agora identificar marcadores para a ocorrência desses efeitos colaterais, como por exemplo a alta concentração das interleucinas no sangue, mas não existem atualmente exames disponíveis que possam prever essa reação.

"Também não foi possível prever nenhum precursor de miocardite, isto é, alguma condição prévia que pudesse aumentar o risco de ter esse efeito. Até agora, podemos apenas especular que existe um fator genético do indivíduo que responde a essa inflamação de maneira exacerbada, mas ainda não conseguimos determinar o gatilho", afirmou.

Como os casos são extremamente raros e não foram observados novos eventos com os reforços bivalentes, os pesquisadores acreditam que os próximos passos devem se concentrar em buscar meios de produzir testes diagnósticos específicos para captar rapidamente o problema e iniciar o tratamento o quanto antes.

"Felizmente, os participantes do nosso estudo se recuperaram, por isso não temos como avaliar os danos causados após a reação, mas identificar esses marcadores pode ajudar na detecção precoce de novos casos", finalizou.

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