Demétrio Magnoli

Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

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Demétrio Magnoli
Descrição de chapéu guerra israel-hamas

O campo da guerra

Israel já indicou que não pretende administrar Gaza após conflito

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Binyamin Netanyahu declarou que, depois da eventual derrota do Hamas, Israel manterá "controle integral sobre a segurança" na Faixa de Gaza "por tempo indeterminado". O primeiro-ministro quer guardar o pudim e, ao mesmo tempo, comer toda a iguaria.

O governo israelense já indicou que não pretende administrar Gaza como potência ocupante no pós-guerra, pois um retorno ao status quo vigente entre 1967 e 2005 imporia o fardo de proporcionar serviços públicos a 1,3 milhão de palestinos hostis. Nos meios diplomáticos, articula-se a ideia de substituir o Hamas por uma coalizão de países árabes, com a participação de uma reformada Autoridade Palestina. Contudo, tais atores jamais aceitariam o papel de colaboradores menores das forças armadas de Israel.

A solução só funcionaria como transição rumo à criação de um Estado palestino, algo finalmente enfatizado pela Casa Branca. Netanyahu dedicou-se, desde 2009, a sabotar as negociações de paz, estabelecendo para isso uma parceria tácita com o Hamas. Sua declaração sobre o pós-guerra representa o prosseguimento dessa política, nas novas condições geradas pela implosão do acordo implícito de convivência violenta entre Israel e Hamas.

Palestinos caminham diante dos destroços causados pelo conflito entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza
Palestinos caminham diante dos destroços causados pelo conflito entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza - Mohammed Al-Masri - 8.nov.23/Reuters

O campo da guerra estende-se do primeiro-ministro até franjas de fanáticos que circulam no pátio ideológico do supremacismo judaico. "Agora, um objetivo: nakba!", clamou o deputado Ariel Kallner, do Likud, referindo-se à "catástrofe" palestina de 1948 para exigir uma sanguinária "limpeza étnica" nos territórios ocupados. A paz na Terra Santa depende, antes de tudo, de uma derrota política avassaladora da coalizão liderada por Netanyahu.

O campo da guerra nutre-se do mito de que Israel é a encarnação atual dos judeus sitiados pelo nazismo no Reich alemão. A bandeira da destruição do Estado judeu, erguida pelo eixo Irã/Hezbollah/Hamas e dramatizada pelo massacre terrorista do 7/10, funciona como argumento crucial dos cavaleiros do "Grande Israel". É, exclusivamente, o ruído perene do antissemitismo que confere uma falsa verossimilhança ao discurso de Netanyahu.

Mas o eixo liderado pelo Irã não está só. A palavra de ordem da supressão de Israel orienta um cortejo de correntes significativas da esquerda ocidental. A mensagem antissemita espalha-se bem além das seitas delirantes que perambulam nos túneis das redes sociais.

"Do rio até o mar, a Palestina será livre" –Rashida Tlaib, deputada do Partido Democrata dos EUA, aderiu ao canto que embala manifestações nas praças das grandes cidades do Ocidente. Cinicamente, Tlaib o interpretou como um "chamado aspiracional por liberdade e coexistência pacífica, não morte, destruição ou ódio". De fato, porém, sua específica alusão geográfica não demanda a paz em dois Estados, mas a abolição do Estado judeu.

Idiomas diferentes, conteúdo igual. Israel seria "uma vergonha para a humanidade" que "não merece ser Estado" (Gleide Andrade, tesoureira do PT e conselheira de Itaipu). A tática de manual é traçar paralelos entre Israel e a Alemanha nazista. Daí, a utilização ritual do termo "genocídio" para fazer referência a ações do Estado judeu.

Genocídio qualifica operações deliberadas de extermínio físico de um povo inteiro. Não é sinônimo de crimes de guerra. A invasão do Iraque pelos EUA e a guerra de conquista russa na Ucrânia deixaram pilhas de vítimas civis, mas não se inscrevem no conceito de genocídio. O TPI abriu investigação sobre os crimes de guerra de Israel (e do Hamas) sem desviar-se pelo caminho da inflação retórica.

Netanyahu, Kallner e seus discípulos precisam de figuras como Tlaib e Gleide Andrade. O Irã e suas milícias amestradas configuram uma paisagem insuficiente para descrever Israel como fortaleza acossada pelo antissemitismo. A coesão do campo da guerra em Israel depende da amplitude do campo da guerra anti-Israel.

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