Demétrio Magnoli

Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

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Demétrio Magnoli
Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Punição coletiva

Tanto Hamas quanto Israel trilham a estrada da lógica bárbara

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Punição coletiva é o corolário lógico da noção de responsabilidade coletiva, que imputa a uma sociedade inteira a culpa por atos de um Estado ou governo. Os atentados de 7/10 que deflagraram o atual conflito e a represália militar na Faixa de Gaza inscrevem-se nessa lógica bárbara.

A operação do Hamas não teve nenhum objetivo militar. O massacre deliberado de 1.300 civis israelenses, inclusive crianças, numa orgia macabra de violência, desnuda a alma da organização terrorista. Do ponto de vista dela, inexiste diferença entre civis e militares, pois todos seriam "soldados da ocupação".

Na guerra de independência da Argélia (1954-62), a Frente de Libertação Nacional promoveu ataques a civis, lembram vozes prontas a oferecer uma justificativa anticolonial para o terror do Hamas. O argumento, em si mesmo problemático, delineia um paralelo falso –e, por isso, revelador.

Os colonos de origem francesa na Argélia pertenciam a um empreendimento imperial. Os israelenses massacrados, por outro lado, não perfilam-se sob a bandeira de um poder estrangeiro: Israel nasceu da imigração de judeus perseguidos por pogroms e pela máquina genocida nazista. Só se pode legitimar a barbárie do 7/10 pela adoção do objetivo político do Hamas: a destruição do Estado judeu.

Destroços de prédios após bombardeamentos provenientes da guerra no sul da Faixa de Gaza
Destroços de prédios após bombardeamentos provenientes da guerra no sul da Faixa de Gaza - Ibraheem Abu Mustafa - 17.out.23/Reuters

O antissemitismo vive –e, na hora da guerra, rasga a fantasia esperta de antissionismo. "Morte aos judeus", gritaram manifestantes em Nova York, Paris, Londres e até Berlim. O discurso "decolonial" de raiz identitária ajusta-se como luva ao conceito abominável de punição coletiva. Israel seria parte do sedimento "ocidental", "europeu", "branco", depositado no mundo ao longo dos últimos séculos. Inexistiria, portanto, distinção entre o colono da Argélia e o civil israelense. Em nome da caricatura "decolonial", o Estado judeu deveria desaparecer.

As leis internacionais conferem ao Estado de Israel o direito de autodefesa, o que inclui uma represália suficiente para desmantelar o aparato militar e governamental do Hamas. Contudo, o direito humanitário estabelece condicionalidades, expressas pelas leis de guerra. Israel não tem o direito de enveredar pela punição coletiva.

De fontes insuspeitas, emergem indícios de que a tragédia no hospital de Gaza decorreu de foguetes errantes da Jihad Islâmica, não de bombas israelenses (shorturl.at/aCDE0). Entretanto, a eventual prova de inocência não exime Israel da responsabilidade pela interrupção total de fornecimento de água, eletricidade e alimentos à Faixa de Gaza e por bombardeios indiscriminados que causam milhares de vítimas civis. Tais atos configuram crimes de guerra –como, aliás, apontam familiares de israelenses trucidados ou tomados como reféns no 7/10.

Uma linha invisível divide a sociedade israelense. "Não tenho necessidade de vingança, nada ressuscitará os mortos", escreveu Ziv Stahl, diretora do grupo de direitos humanos Yesh Din, que escondeu-se num porão de seu kibutz durante os atentados. Ela alerta para a necessidade pragmática de uma "solução política". Contudo, do outro lado da linha, a pulsão de vingança nutre-se da ideia exterminista de que a população civil palestina é parte do conflito.

Bem antes do 7/10, Bezalel Smotrich, um dos fanáticos que ocupam pasta ministerial no governo de Israel, dirigiu aos cidadãos árabes-israelenses as seguintes palavras: "Vocês estão aqui por engano, porque Ben-Gurion [primeiro chefe de governo israelense] não concluiu o serviço em 1948 e não os chutou para fora". Os extremistas abrigados sob o guarda-chuva de Netanyahu tentam aproveitar a oportunidade oferecida pelo Hamas para "concluir o serviço".

Tanto o Hamas quanto Israel trilham a estrada da punição coletiva. Paralelo perfeito? Não: Ziv Stahl assina textos no Haaretz, enquanto oponentes palestinos do Hamas são torturados e executados em Gaza.

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