Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Ergo um altar para Maíra Castor, deusa, bruxa e feiticeira

Terapeuta holística e taróloga nos desestabilizava para nos colocar no rumo e tocou as almas das mulheres

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A gente nunca está preparada para a partida de alguém, sobretudo quando essa se dá de forma repentina e quando se trata de uma pessoa que marcou a vida de muitas mulheres. Há mulheres que curam outras e dedicam suas vidas a transformar o que há de mais profundo em nós.

Faz duas semanas que Maíra Castor partiu. Nascida no dia 30 de dezembro de 1986, na Maternidade Praça 15, no Rio de Janeiro, filha de Maria Indonésia Castor Aragão e de José Carlos de Souza, irmã de Kamaiaji, foi criada em Santa Teresa, bairro para onde havia retornado recentemente. Vítima de um AVC, ela se encantou no astral.

Ao centro da imagem está fotografia de Maíra Castor, em preto e branco, com adornos coloridos de folhas ao seu redor.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro - Aline Bispo

Carinhosamente a chamávamos de deusa, bruxa, feiticeira. Maíra foi uma terapeuta holística e taróloga que nos desestabilizava para nos colocar no rumo. Nossos caminhos foram cruzados pelo caminho de Daniela Alves, importante terapeuta holística e, a partir de ambas, eu e minhas melhores amigas iniciamos processos importantes de cura. Maíra auxiliou a todas nós em momentos importantes. De uma doçura ímpar e olhar atento, ela conquistou cada uma de nós, sendo canal de sabedoria e cura. Embora atendesse a todos os tipos de pessoas, é inegável que o trabalho dela tocou mais profundamente a alma das mulheres. Era um trabalho intenso, ao mesmo tempo que nos tocava com suavidade; forte, ao mesmo tempo que nos trazia leveza.

Pois é, há pessoas que, mesmo brevemente, marcam a nossa vida em definitivo. Maíra tinha o dom de cicatrizar feridas, de fazer a gente se abrir e enxergar o que precisava ser mudado. Regularmente realizava lives em sua página do Instagram para dizer o que o tarô tinha de mensagem para a semana, aconselhava, escutava. Num mundo que pode ser tão superficial, ela nos instigava a mergulhar fundo, inclusive nas nossas sombras. Ela nos lembrava da importância de olhar por cima dos ombros, de se entregar ao desconhecido, de não ter medo de parecer louca por viver a própria verdade.

"Seja louca, seja bélica" foi um dos seus últimos conselhos quando comentei a necessidade de impor limites para algumas pessoas. Essas palavras me veem à mente toda vez que tenho dificuldade em dizer não.

Maíra, em toda sua generosidade, se dedicou a libertar mulheres das armadilhas da conveniência. Num mundo que prega a rivalidade e competição entre mulheres, ela nos mostrou a força do amor como ferramenta de união e transformação.

"Escrever uma mensagem de despedida para você é uma tarefa árdua e dolorosa, mas também tenho que compreender quando uma deusa tem uma missão na Terra, cumpre e necessita partir. Sou e serei grata por tudo que você fez por mim e pelo nosso grupo de amigas", escreveu Flávia Monteiro, uma das minhas amigas do grupo.

Pedi que cada uma escrevesse algo para ela reverenciando sua vida aqui. "Maíra nunca deixará de ser. Continua em nós através de todo afeto, sabedoria e cuidado que nos emanava. Mulher sábia e poderosa nos atravessava com seu olhar atento e sereno, como quem sabia o que estava por trás do que não se expressa", escreveu Marília Salles. E Debora Caroline fecha refletindo o que Maíra foi em uma única frase: "Falar de Maíra é falar de amor".

Foi preciso um tempo para elaborar essa perda repentina e poder escrever esse texto-homenagem fora de um lugar de dor. Maíra merecia que as palavras aqui presentes estivessem carregadas do mais profundo amor e gratidão por tudo o que ela representou para esse mundo e deixa como legado. Daniela Alves, na homenagem que fez a ela, escreve o quanto esse legado está ligado à compreensão de começarmos a viver o que realmente é importante para nós, com verdade e coragem. A necessidade de pararmos de prender a nossa atenção no que não importa.

Como uma pessoa que acredita na continuação da vida, finalizo essa homenagem com as palavras de seu irmão, Kamaiaji, enfatizando a eternidade daquelas pessoas que amamos: "A cada momento de saudade ou tristeza lembrem dela em cada rua, em cada festa, em cada samba que toca por aí. Ela está batendo com vocês e surge em cada esquina, a cada noite, protegendo e rezando por vocês. Agora ela se tornou anjo, deusa, musa, tudo aquilo que ela estava se tornando em vida. Fiquem firmes e com ela".

Ergueremos e cuidaremos de um altar para Maíra.

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