Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu Todas

Que suas lições sobre a inconformidade sejam inspiração para nós

No Brasil, o povo de candomblé saúda Oxaguiã às sextas-feiras, de roupa branca

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A mitologia iorubá fala sobre um orixá que vivia sem caminho neste mundo, colecionando dores e inimizades.

Oxaguiã nasceu sem mãe nem pai, fez-se sozinho e arrumava confusão com quem aparecesse à sua frente. Ele era rebelde e idealista, mas mais conhecido por sua cabeça quente e pavio curto. Vivia cada dia como se fosse o último, sem rumo. Se fosse para morrer, que assim fosse, mas desde que numa briga.

De tanto brigar, certa vez esse guerreiro encontrou Iku, a morte. Iku ofereceu-lhe uma cabeça fria, o que aceitou de pronto, pois estava sofrendo com a cabeça esquentada. Mas aquela nova cabeça o afetou de uma outra forma, e ele passou a ser fechado, resignado, tristonho. Se, antes, seu fim trágico poderia ser em uma briga, com essa nova cabeça a morte passou a rondá-lo.

Talvez, caso aquele guerreiro perdesse uma de suas brigas e morresse, ou mesmo desistisse de viver, não estaríamos aqui falando sobre ele. Mas, na encruzilhada em busca de seu propósito, ele encontrou Ogum, o grande general ferreiro, que lhe muniu com uma espada que espantou Iku.

Ilustração de fundo azul escuro com duas pombas brancas voando ao fundo, uma à direita e outra à esquerda. Ao centro está o guerreiro Oxaguian levando uma espada na mão direita e um escudo na mão esquerda. Ele é negro, usa roupas brancas, braceletes brancos e traz um adorno branco na cabeça com uma pequena pomba ao centro.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Dlamila Ribeiro de 5 de julho de 2024 - Aline Bispo/Folhapress

Ogum, então, tentou consertar aquela cabeça fria, apertando-a de tal maneira que a fundiu com a antiga cabeça quente, formando uma nova — desta vez, nem quente nem fria.

Esse itã —relato mítico—de Oxaguiã nos ensina a importância do equilíbrio. Sobre lutar sim pelo ideal, mas com estratégia. Sobre a necessidade de se recolher em introspecção e olhar para si, mas com vistas à ação. Ensina sobre amadurecimento e sobre enfocar aquilo que importa.

A liderança do general Ogum fez a diferença na vida do jovem orixá. Oxaguiã passou a acompanhá-lo e os causos dos dois juntos nos contam muito sobre lealdade. Certa vez, Ogum estava no front de batalha, lutando pelo sustento do povo, ao que incumbiu Oxaguiã de voltar à sua cidade em busca de mais munição.

Ao chegar a Ifé, Oxaguiã constatou que o povo acabara de terminar a construção de um palácio em honra a Ogum. O jovem, então, disse que havia muita coisa boa naquela construção, mas o general demoraria a retornar da guerra, o que era tempo suficiente para o povo construir um palácio maior, mais belo e resistente. E com o poder de sua espada, lançou-se sobre a parede do palácio, que ruiu completamente.

Oxaguiã voltou ao front no dia seguinte até retornar tempos depois. E ali, naquela cidade de Ogum, encontrou um novo palácio, maior, mais belo e resistente. Mas, mesmo assim, o orixá guerreiro demoliu novamente e determinou a construção de um palácio ainda mais completo.

Muitas vezes Oxaguiã fez isso até Ogum voltar da batalha e encontrar um palácio à sua altura. Os moradores da cidade tantas vezes tiveram de construir palácios que ficaram conhecidos como engenheiros perfeccionistas. A população local passou a dominar a arte de construção, levando-a a trabalhar em outras comunidades, o que trouxe prosperidade econômica.

Ao citar esse itã sobre Oxaguiã, que também ficou conhecido como o "orixá construtor de palácios", penso sobre como seu método de mover o desenvolvimento da cidade de Ogum inspira uma força dinâmica contra letargias. Há nele uma busca inconformada e criativa do aperfeiçoamento.

Em geral, esse orixá é representado com uma espada em uma mão, o escudo em um antebraço e o pilão em outra. Ou seja, armas para a batalha de um lado, e, de outro, o instrumento com o qual pila seu inhame e oferece à confraternização.

Após o sucesso na companhia de Ogum, Oxaguiã parte junto a um fiel escudeiro para fundar seu próprio reino na cidade de Ejibô, onde construiu outras histórias. Numa delas, talvez a mais famosa, seu reinado sofreu muito após guardas terem cometido uma injustiça contra seu fiel escudeiro, evidenciando como a cumplicidade e busca pelo certo são o norte na vida da comunidade abençoada por esse orixá.

No Brasil, o povo de candomblé saúda Oxaguiã às sextas-feiras, de roupa branca. Para saudá-lo, dizemos "Epa Babá!". E, a seus pés, pedimos pela sua força de renovação e coragem para enfrentar grandes guerras nessa vida. Como dizem, quando Oxaguiã entra em uma guerra, é para vencer ou vencer.

Que suas lições sobre a inconformidade equilibrada sejam inspiração para nós. Boa sexta-feira a todos e a todas. Epa Babá!

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