Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
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O axé de Mãe Ana de Ogum

A senioridade é um lugar de respeito, sabedoria e admiração

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Como uma mulher iniciada no candomblé desde menina, entendo que a senioridade é um lugar de respeito, sabedoria e admiração.

Isso porque no axé contam os anos de iniciação, como também os anos de vida. Então, uma mulher mais velha, com mais "tempo de santo" —ou seja, desde quando foi iniciada—, tem um lugar de autoridade. Para ela, pedimos a bênção, obedecemos e agradecemos os ensinamentos.

E, nesse último sábado, dia 9, pude pedir a bênção à mais velha. Fui a Taboão da Serra, na zona metropolitana de São Paulo, para uma das mais aguardadas festas do candomblé paulista: a festa de Ogum no Ilê Axé Oju Onirê, terreiro de Mãe Ana de Ogum, que completou neste ano 63 anos de iniciada.

Mãe Ana é um patrimônio das religiões de matriz africana. Iniciada na tradicional Casa de Oxumarê, na Bahia, pelas mãos de Mãe Simplícia de Ogum, é detentora de diversos reconhecimentos nos últimos anos, sendo uma referência mais velha entre os mais velhos.

Um adendo importante: quando falamos Mãe Ana "de Ogum" ou Mãe Simplícia "de Ogum", significa dizer que foram mulheres iniciadas para o orixá Ogum, o qual, por sua vez, é o grande general dos orixás, líder de tantas batalhas e que exerce domínio sobre o ferro e as tecnologias. Há nações diversas no candomblé e na nação Ketu, da qual Mãe Simplícia e Mãe Ana partem para se iniciar para um orixá que acompanha a pessoa iniciada por toda a vida —há um panteão de 16 orixás.

Ao centro da ilustração está a figura de Mãe Ana de Ogum, ela usa uma indumentária própria de candomblé e ao seu redor estão as plantas: espadas de São Jorge e mariwô (a folha do dendezeiro, consagrada ao orixá Ogum)
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 14 de dezembro de 2023 - Aline Bispo/Folhapress

Penso ser importante dar algumas notas introdutórias, pois há muita ignorância em relação ao candomblé, fomentada em parte por uma intolerância religiosa desde seu início.

Na época em que Mãe Ana foi iniciada, terreiros eram invadidos pela polícia, ao passo que muitos outros, para poder funcionar, precisavam de uma autorização emitida pela delegacia de polícia.

Essa intolerância se sofisticou com o tempo e até hoje líderes da religião enfrentam diversas formas de violência ao exercer sua fé e cultivar sua comunidade. Como afirma Pai Sidnei de Xangô, autor de "Intolerância Religiosa" (Jandaíra/Coleção Feminismos Plurais), "o que se tem chamado de intolerância religiosa está no seio de um processo de colonização do país. Esse processo tem deixado marcas profundas em uma ideia também ilusória de democracia religiosa e laicidade".

Mas, como dizem, caminho que Ogum abre ninguém fecha. Com a força de seu pai, Mãe Ana construiu caminho para que sua casa se estabelecesse como um lugar de referência no candomblé. Em seu entorno, toda uma comunidade trabalha pela casa, a qual saúdo na pessoa de Ekedy Soraia de Irôko, filha carnal de Mãe Ana, que supervisiona os trabalhos para que tudo saia perfeito.

Ao chegar, já havia o prenúncio de uma grande noite. O terreiro está há tanto tempo no mesmo local que os demais moradores fecham a rua apenas para a festa. Pessoas vieram de todo o país para prestigiar essa mulher forte como seu pai e com uma leveza como a da general que atravessou muitas guerras e celebra com sua comunidade momentos de paz.

Pelas paredes do Axé, estão os ancestrais que fizeram parte da caminhada de Mãe Ana ao sacerdócio –Tio Carlito de Oxóssi, Mãe Nilzete de Iemanjá, entre tantas pessoas. São 47 anos de casa em São Paulo, um Axé velho, que segue como uma casa de acolhimento pelas tradições ancestrais. Filhos e filhas com décadas de santo, enquanto outras recém-iniciadas, compõem essa família tão admirada.

Na início da noite, os atabaques anunciaram o começo da festa. Chegava a hora da celebração de Ogum na casa de Ogum! Uma noite que pedia um lindo céu para abençoar a dança e as cantigas em homenagens às divindades. Mãe Ana, aproximando-se dos seus 80 anos de idade, chegou rodeada de filhos e filhas de santo que abriram a roda para que dançasse lindamente.

Seu pai se fez presente, festejado por todos que saudavam "Ogunhê!". Na fila para dar um abraço em Ogum, pude receber o meu e me cobrir com o axé dessa grande Iyálorixá brasileira.

Como todas as pessoas ali presentes, voltei para casa renovada por sua força vital. Viva Mãe Ana e vida longa ao Ilê Axé Oju Onirê!

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