Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
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Fé em tempos sombrios

Quando perdemos a fé na humanidade, não há vergonha em fazer orações

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Estamos passando pelo feriado de Nossa Senhora da Aparecida, a padroeira do Brasil, marcando um período de muita fé do povo brasileiro.

Ao centro da ilustração está a figura de Nossa Senhora Aparecida, uma santa negra, com um manto azul escuro e coroa dourada. Ao seu redor a imagem de alguns peixes aparece também.
Ilustração de Aline Souza para coluna de Djamila Ribeiro - Folhapress

Na última semana, o Círio de Nazaré movimentou milhões no Pará, no que é considerado por muitos a maior cerimônia religiosa do mundo. Desde 1901, o Círio acontece no segundo domingo de outubro e envolve histórias de devoção.

No trajeto da Nossa Senhora do Nazaré, carinhosamente chamada de Nazinha pelos paraenses, estão os cordeiros que seguem a procissão para comungar e agradecer. Como diz a oração: "É tão forte esse amor que carrego que não há como expressar. Quando toco a tua corda, algo dentro me acorda me envolve e me refaz".

Nesta Semana Santa para os católicos, uma multidão peregrinou até a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, que fica perto da cidade de São Paulo. Há alguns meses, minha filha foi acompanhar o avô, o seu Abel, que foi aos pés da padroeira agradecer e rezar. Thulane voltou da viagem radiante, pois, além da conexão espiritual que momentos como esse proporcionam, valem também as histórias das viagens e conhecer outras perspectivas.

Lembrou-me de mim mesma, quando fui com minha avó numa viagem de Piracicaba até Aparecida. Era criança, mas me recordo de alguns detalhes.

O ônibus estava cheio, mas minha avó deu um jeito e fui sentadinha, às vezes no colo, às vezes nos pés dela, acompanhar aquela jornada de esperança. Ficam as saudades de Dona Antônia e as bênçãos de suas poderosas orações.

Minha avó enterrava feitiços no quintal e atendia uma fila de dobrar o quarteirão para as pessoas serem rezadas. Minha mãe era também uma feiticeira chamada em momentos de muita angústia por pessoas que sabiam de sua habilidade de tirar qualquer espírito obsessor que assombrasse.

Ela levava a mim e minha irmã para os atendimentos, nos colocava para cuidar de pomba-gira que era assentada no quintal e me iniciou no candomblé quando tinha apenas oito anos. Ia às missas e rezava para Nossa Senhora, assim como ia ao centro espírita kardecista para receber passes.

Embora o candomblé seja a nossa raiz, as mulheres da minha família, que enfrentaram inúmeros desafios estruturais, ensinaram a enxergar o mundo por um olhar espiritual ampliado. Não há separação entre razão e emoção, físico e mental. Essas divisões não as contemplavam e seus ensinamentos foram para agir pelo certo, de cabeça erguida e com fé.

Em tempos tristes e sombrios, em que perdemos a fé na humanidade diante de tantas atrocidades, guerras e conflitos absolutamente evitáveis, não tenho vergonha de recorrer às orações.

Ficar em silêncio, não ter e saber respostas e tampouco fazer análises superficiais que em nada contribuem. Ao contrário, só acirram as disputas internas e alimentam o ódio. Nem sempre será possível compreender as coisas e racionalizá-las com precisão.

É muito cansativo ler coisas de quem não entende do assunto simplesmente porque acredita que é preciso dizer algo, muitas vezes sem responsabilidade, ou ainda ver comentários odiosos em portais de notícia.

Tem uma frase que sempre digo: antes de ser acadêmica ou ativista, sou humana. É preciso ter muito cuidado com o que dizemos e espalhamos, sobretudo sobre as realidades que a gente desconhece.

Em tempos de fake news e financiamento dessas notícias falsas sem a devida responsabilização das plataformas sociais, o que vemos é a monetização da mentira e a consequente exploração econômica do ódio.

Aliado a isso, pessoas que agem na superfície dos temas com o puro objetivo de alastrar o caos. Não há possibilidade de diálogo saudável, há um solo infértil e desértico, a manutenção do mal.

Com isso, não afirmo que as respostas para nossas opressões devem ser religiosas. Sabemos o perigo disso. Mas aqui não confundo espiritualidade com religião e me conecto com a espiritualidade quando o mundo parece se afundar no grande vazio da indiferença.

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