Eduardo Sacheri

Escritor argentino apaixonado por futebol e autor do livro 'O Segredo de Seus Olhos'

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Eduardo Sacheri
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Deus é argentino

Ele virá nos resgatar do inferno que nós mesmos criamos

Buenos Aires

"Deus é argentino", diz um ditado que é amplamente usado no meu país e vem a dizer que, no fundo, não importa os nossos erros, nossos desajeitamentos, nossos caprichos, nem o nosso hábito atávico de arruinar os projetos. Em algum momento do nosso colapso, Deus virá nos resgatar do inferno que nós mesmos criamos.

Quando o jogo contra a Croácia acabou, a equipe do meu país estava com um pé fora do torneio. As quase 24 horas que se passaram até o Islândia x Nigéria foram um inferno, ou melhor, um labirinto de infernos sobrepostos. 

Jornalistas argentinos ficaram divididos: de um lado, aqueles que sentiram que a Argentina estava no abismo, e, de outro, os que sentiram que a Argentina estava no abismo, e gostavam.

Começaram a vazar os boatos, transcendidos, mensagens de áudio de WhatsApp, em que supostos "peixes grandes" do futebol argentino compartilhavam visões apocalípticas em primeira mão. Jogadores levando socos no vestiário, Sampaoli apresentando sua renúncia banhada em lágrimas, líderes organizando golpes contra o treinador etc.

No dia seguinte, a situação começou a se acalmar. Não porque as operações da imprensa diminuíram, mas porque a Nigéria derrotou a Islândia e deu à Argentina outra vida na Copa. 

Por trás das cortinas de fumaça, uma questão tangível começou a surgir: os jogadores "históricos" da equipe pareciam se impor aos critérios do técnico.

Chega de se defender com três no fundo e misturar novos rostos na formação. A partir de então, aqueles "históricos" sempre jogariam no 4-4-2 que sempre preferiram. Um Sampaoli encurralado não teve espaço para protestar.

Então a Argentina saiu para a última cartada contra a Nigéria. Quatro minutos separaram o time do constrangimento de voltar para casa no primeiro round. Mas, como Deus é argentino, a aparição de um marcador na área rival e uma excelente definição permitiram que a Argentina ficasse com a vaga.

Resta saber se o movimento "conservador" dos históricos sobrevive a este sábado (30) e à partida com a França. É a última jogada de um grupo que nunca pôde ver seu perfil perpetuado no bronze dos campeões? É só o primeiro passo de um grupo de homens que, convencidos de sua missão, irão derrubar obstáculos até a final, no dia 15? É impossível saber. Tão impossível quanto saber quão verdadeira é a afirmação que nós, argentinos, costumamos reforçar sobre a nacionalidade de Deus.

Tradução de Azahara Martin Ortega

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