Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Livro retrata regime escravocrata que sustentou Império e amarrou Brasil ao atraso

Terceiro e último volume da 'Escravidão', de Laurentino Gomes, vai 'da Independência à Lei Áurea'

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O inglês foi aconselhado a não deixar o barco, pois os traficantes ofereciam uma recompensa a quem o esfaqueasse. Vale do Javari em 2022? Não, Salvador 1843. Não se sabe se o comandante Hoare, do navio Dolphin, desembarcou, mas ele era malvisto na região.

Chegou às livrarias o terceiro e último volume da "Escravidão", de Laurentino Gomes. Vai "Da Independência à Lei Áurea". Retrata o apogeu e declínio do regime escravocrata que sustentou o Império, amarrando o Brasil ao atraso.

Até 1850 a elite nacional não só vivia às custas da escravidão, estava também associada ao contrabando de negros escravizados trazidos da África. O tráfico negreiro fazia fortunas ofendendo as leis do país e os tratados internacionais firmados pelos Império.

O escritor Laurentino Gomes
O escritor Laurentino Gomes - Karime Xavier/Folhapress

O Brasil era ao mesmo tempo o maior produtor de café do mundo e a maior nação negreira. D. Pedro 1º chamava a escravidão de "cancro" e, em 1830, anunciou que o tráfico havia acabado. Era mentira.

Seu filho não dava títulos nobiliárquicos aos traficantes mas era só. O andar de cima e seu poder assentavam-se na escravidão e no contrabando. Em 1843 vendia-se no Rio um negro por 20 vezes o preço pago ao comprá-lo na África.

Até 1850 chegaram ao Brasil pelo menos 700 mil africanos escravizados. O tráfico era ilegal, mas Manoel Pinto da Fonseca, responsável por um terço dos desembarques clandestinos, jogava cartas com o chefe de polícia do Rio.

Laurentino compôs um magnífico painel mostrando esse tempo. Baseado na bibliografia de quatro continentes, valeu-se da argúcia de repórter para jogar luz sobre grandes personagens.

Em 1822, aos 18 anos, José Joaquim de Souza Breves estava na comitiva do príncipe Pedro às margens do Ipiranga, fez fortuna e foi o Rei do Café. Teve 90 propriedades, frota negreira e 6.000 negros escravizados. Morreu em 1889, um ano depois da abolição e 46 dias antes da proclamação da República.

Do outro lado do Atlântico, Laurentino mostrou Francisco Félix de Souza, o baiano Chachá, que no Daomé se tornou o maior traficante de escravos da época.

Ou ainda Ana Joaquina dos Santos Silva, a Rainha do Tráfico de Angola, com seu palacete de 22 janelas em Luanda. Numa visita ao Rio ela gastou o equivalente a 40 quilos de ouro. Em 11 anos, a frota negreira de Joaquim Pereira Marinho, que tem estátua em Salvador, transportou 11 mil negros.

Esse volume da trilogia de Laurentino pode ser lido por quem não passou pelos dois outros. Nele está a vida do Brasil do século 19, com seus barões e senzalas. Entre a independência e 1850, quando a frota inglesa impôs ao Império o fim do tráfico, o país atolou.

A lei diz que os negros chegados ao Brasil depois de 1831 eram livres. Os que foram resgatados viram-se privatizados por meio de um sistema de concessões.

A neta de José Bonifácio de Andrada, o Patriarca da Independência, ganhou 13 negros. O Barão de Mauá, patrono da indústria nacional, levou os seus. Os dois maiores políticos do Império, o Marquês de Paraná e o Duque de Caxias, contrataram, cada um, duas dezenas. (Os dois jornalistas mais conhecidos também ganharam negros.)

Para se livrar da escravidão, os Estados Unidos tiveram uma guerra civil que subjugou o Sul escravocrata. Darcy Ribeiro dizia que, em Pindorama, o Sul ganhou. Fica a dúvida, pois no Brasil não existia um Norte industrializando-se.

Laurentino começa seu livro mostrando as festas da Abolição e termina-o citando trechos de uma carta de João Francisco de Paula Souza, cafeicultor paulista, em março de 1888:

"Não hesitem, libertem em massa e contratem. (...) Trabalhadores não faltam. Temos os próprios escravos, que não derretem nem desaparecem [com a Abolição], e que precisam de viver e de se alimentar, e, portanto, de trabalhar, coisa que eles compreendem em breve prazo.

(...)

Desde primeiro de janeiro não possuo um só escravo! Libertei todos, e liguei-os à casa por um contrato social igual ao que tinha com os colonos estrangeiros (...). Bem vês que o meu escravismo é tolerante e suportável."

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