Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Elio Gaspari

De Eduardo Gomes para Bolsonaro

A indisciplina militar produz ditadura e anarquia

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Capitão Bolsonaro,

​Por duas vezes fui candidato à Presidência da República. Em 1945 contra o general Dutra e em 1950, contra Getúlio Vargas. Por duas vezes, perdi. Nunca duvidei antecipadamente dos resultados nem estimulei confrontos com as apurações. Tenho visto vossas manifestações contra as urnas eletrônicas. Confio mais nelas do que naquelas que coletavam cédulas. É o progresso, gastei anos defendendo a aviação.

O presidente Jair Bolsonaro com militares - Gabriela Biló - 19.abr.22/Folhapress

Vi todas as desordens militares do século 20. Revoltei-me em 1922, 1924, 1930, 1932, 1945 e em 1954. Ajudei a derrubar três governos (1930, 1954 e 1964) e fui derrubado num (1955). O senhor teve uma breve carreira militar e, como capitão, tomou uma cadeia. Eu tomei três, todas longas. Pelos objetivos que eu perseguia, tornei-me patrono da Força Aérea.

Acabo de saber que o senhor resolveu comemorar o 7 de Setembro do Bicentenário da Independência com um desfile militar na avenida Atlântica, em Copacabana. Em julho de 1922 foi por lá que marchei, insurreto contra o governo do Epitácio Pessoa. Essa caminhada ficou conhecida como a revolta dos 18 do Forte. Nunca fomos 18. Na minha conta éramos 13, mas dizem que fomos entre 11 e 23. O centenário desse episódio foi esquecido.

Eu era um tenente de 25 anos. Éramos revoltosos e fomos metralhados na altura da rua que hoje tem o nome do meu companheiro Siqueira Campos. Levei um tiro da altura da virilha. (Esse ferimento está na origem deselegante do nome de brigadeiro dado àquele doce de chocolate.)

Em 1950 eu disse que não queria o voto daquela malta de desocupados que apoiavam Getúlio Vargas. Inventaram que eu não queria o voto dos "marmiteiros". Eu nem conhecia a palavra. Como sou católico, perseguiria os evangélicos. Como sou solteiro, perseguiria as mulheres. Proibiria os negros de irem a praia. Besteiras, enfim.

Nunca contestei a legitimidade das minhas derrotas.

Tornei-me ministro da Aeronáutica em 1965 para debelar uma crise com a Marinha e, dois anos depois, fui para meu apartamento na praia do Flamengo. Vivi longe das politicagens até quando um capitão da FAB foi cassado porque denunciou o uso da tropa em ações de milícia.

Em 1971 mexi-me e ajudei a trocar o ministro da Aeronáutica, afastando os algozes do capitão. Dessa grave crise ocorrida no governo do general Médici, pouco se fala e por pudor eu também silencio.

Não consegui reparar a iniquidade praticada contra o capitão e vim para cá em 1981, arrastando aquela injustiça em meu oprimido coração. Quando falei de política, foi sempre na defesa da democracia e da liberdade.

Como diz o Ernesto Geisel, general que jornalista não sabe o nome é certamente um bom oficial. A indisciplina militar desemboca em ditadura e anarquia. Os ventos da política são diferentes dos nossos. Vou lhe dar dois exemplos:

Os tenentes daqueles anos 20 penavam com o trabalho do promotor Sobral Pinto. Pois em 1950 ele lançou minha candidatura à Presidência da República.

Em 1935 eu reagi aos comunistas na Escola de Aviação. Fui até ferido na mão. O presidente Getúlio Vargas elogiou-me. Dois anos depois, quando ele armou o golpe de 1937, foi colocada uma tropa artilhada para bombardear meu quartel caso reagisse.

Em tempo: a avenida Atlântica dos 18 do Forte não existe mais. Foi engolida pelo monstruoso alargamento da praia.

Respeitosamente,

Brigadeiro Eduardo Gomes

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