Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Elio Gaspari
Descrição de chapéu transição de governo

A direita explosiva quis voltar

No plano, uma bomba no pátio, outra na fonte de energia

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As delinquências confessadas por George Washington de Oliveira Souza, gerente de um posto de gasolina no Pará, militante acampado diante do Quartel General do Exército, em Brasília, mostram que ele pretendia praticar um ato terrorista na capital.

Pelo plano, explodiriam um caminhão de combustível nas proximidades do aeroporto. Outra bomba interromperia o fornecimento de energia de Taguatinga. Assim, dariam "início ao caos que levaria à decretação do estado de sítio".

Bomba num pátio, corte de energia, caos... Mark Twain já ensinou: A história não se repete, mas rima.

George Washington está preso e revelou ter articulado o crime com pelo menos três pessoas. Esse atentado, impedido pela ação da Polícia Civil de Brasília, bem como inúmeras ameaças, injetaram tensão na festa da posse do presidente Lula.

Prisão do empresário identificado como George Washington Oliveira Sousa, 54 anos, suspeito de planejar um atentado em Brasília - Ascom - 25.dez.22/ PCDF

Nos anos 60 e 70 do século passado o país teve um terrorismo de esquerda, com o sequestro de quatro diplomatas estrangeiros e a morte de dezenas de pessoas.

Foram executados um empresário, um delegado, um capitão do Exército americano e um major alemão, confundido com um capitão boliviano. A ditadura enfrentou esse surto com desproporcional violência. A tortura tomou-se política de Estado e foi seguida por uma diretriz de extermínio.

Em 1981, extinto o surto terrorista e dois anos depois da anistia, explodiu uma bomba no colo de um sargento do DOI do 1º Exército (atual Comando Militar Leste). Ele acompanhava um capitão, seu superior. Era o atentado do Riocentro.

Se as coisas corressem como se supõe que havia sido planejado, aquela bomba explodiria no estacionamento enquanto outra, jogada na estação de energia, cortaria a luz do show que se realizava no pavilhão. O episódio do Riocentro provocaria um caos e, quem sabe, levaria à decretação de medidas de emergência.

(A bomba que explodiu no colo do sargento matou-o, ferindo o capitão. A da estação de energia falhou.)

Passaram-se 41 anos, o capitão foi para a reserva como coronel. Na cena da bomba atirada contra a casa de força estava o coronel da reserva Freddie Perdigão Pereira, lotado no Serviço Nacional de Informações.

Na tarde de 31 de março de 1964, o então tenente Perdigão foi mandado ao Palácio Laranjeiras com um tanque, para proteger o presidente João Goulart. Ele morreu em 1996 durante uma cirurgia. Até hoje prevalece a versão de que nenhum militar tinha a ver com as explosões.

A 'Explosiva' detonou a direita

A prisão de George Washington e sua confissão recomendam que se revisite o terrorismo de direita. Ele foi beneficiado pela impunidade, mas foi revelado, à fartura, por alguns de seus personagens.

Nada melhor que a leitura de "A Direita Explosiva no Brasil", de José Argolo, Kátia Ribeiro e Luiz Alberto Fortunato. Publicado em 1996, contém uma coleção de depoimentos, com o coronel Alberto Fortunato como um de seus principais personagens.

Fortunato esteve em inúmeros episódios da anarquia militar da segunda metade do século 20. Na década de 1960 ele participou de cerca de 30 atentados. Articulava-se com colegas, empresários e políticos.

Em 1962, Fortunato preparou uma bomba com dez bananas de dinamite, deixadas no pavilhão de São Cristóvão, onde havia uma exposição de produtos da União Soviética. Militares que souberam do plano, temeram que morresse gente e avisaram ao Governo do Rio. Seis anos depois, o coronel atirou uma bomba na porta do Teatro Glaucio Gil, em Copacabana. Nele realizavam-se assembleias de artistas.

A essa altura o Fortunato ligara-se a oficiais que serviam no Centro de Informações do Exército, o CIE, e a Hilário Corrales, um comerciante de madeira do Estácio, que se tornaria um bom amigo do major Freddie Perdigão, então lotado no CIE.

Durante o ano de 1968, antes da decretação do Ato Institucional nº 5, o grupo em que estavam oficiais do CIE explodiu 20 bombas no Rio.

O coronel Luiz Helvécio da Silveira Leite do CIE recordou o atentado contra o teatro Opinião:

"Foi tentado deixar uma bomba de retardo dentro do teatro, para explodir após a sessão. Eles estavam com uma vigilância muito aguçada sobre nossos agentes, que nem podiam se mexer. Optou-se então pela destruição total. Numa madrugada de chuva, com algumas cargas ocas e coquetéis molotovs, destruímos o teatro."

Em 1970 o núcleo terrorista onde estava Fortunato pôs duas bombas na casa onde funcionava a redação do semanário O Pasquim e depois disso adormeceu.

Acordaram em 1976. Sequestraram um bispo, explodiram bancas de jornais, puseram uma bomba na porta da CNBB e outra na casa do jornalista Roberto Marinho, dono das Organizações Globo.

Em 1980, uma carta-bomba matou a secretária do presidente da OAB e, no DOI, alguém teve a ideia de explodir a casa de força do Riocentro. O oficial que chefiava a seção de operações do destacamento vetou o projeto.

Em abril de 1981 a ideia renasceu e, segundo o coronel Fortunato, Hilário Corrales fez a bomba que explodiria no colo do sargento.

Corrales fugiu para São Paulo, voltou ao Rio e morreu em julho do ano seguinte. Seu caixão foi levado por dois generais reformados, e um oficial fez um inflamado discurso à beira do túmulo. No fim da vida, Corrales foi assistido pelo coronel Freddie Perdigão

O livro "A Direita Explosiva no Brasil" lista 32 atentados praticados entre 1968 e 1980 pelos grupos do coronel Fortunato e dos oficiais do CIE. Com o do Riocentro, são 33.

Nenhum desses atentados teve a autoria desvendada, mas tratava-se de um segredo de Polichinelo. Em três meses o detetive particular Bechara Jalkh identificou a origem do explosivo e os autores do atentado à casa de Roberto Marinho.

Comandantes militares da época e generais do Palácio do Planalto sabiam quem fazia o que. Uns achavam que lhes convinha, outros acreditavam que aquilo passaria, pois era coisa de "radicais sinceros".

(Uma carta identificando o automóvel do qual saiu o cidadão que explodiu uma banca de jornais foi engavetada.)

As bombas do Riocentro abalaram o regime e a disciplina das Forças Armadas. Foram necessárias décadas para recolocar a imagem dos militares no devido lugar.

Se o primeiro atentado da "Direita Explosiva" tivesse sido investigado e seus autores punidos na letra da lei e dos regulamentos, o Brasil, a Justiça e as Forças Armadas teriam lucrado.

Leia outro trecho da coluna de Elio Gaspari

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