A manifestação convocada por Jair Bolsonaro para a avenida Paulista mostrou o vigor de sua liderança política. Quem esteve lá informa que havia até mesmo cordialidade no ambiente. O Bolsonaro de 2024 pretende ser diferente de todos os anteriores: "O que eu busco é a pacificação, é passar uma borracha no passado. É buscar uma maneira de nós vivermos em paz, não continuarmos sobressaltados".
É, ou seria, um novo e bem-vindo Bolsonaro. Dando um passo adiante, ele falou em "conciliação": "É, por parte do Parlamento brasileiro, uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Nós não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. A conciliação. Nós já anistiamos no passado quem fez barbaridades no Brasil. Agora nós pedimos a todos 513 deputados, 81 senadores, um projeto de anistia para que seja feita justiça em nosso Brasil".
Na mesma ocasião, ele ressalvou que não pretende beneficiar quem vandalizou prédios no 8 de janeiro. Sobram aqueles que pretendiam anular o resultado da eleição em que Lula o derrotou.
Bolsonaro diz que não houve trama golpista. Se não houve, o que se precisa é de Justiça, inocentando quem nada tramou. Se houve, como os fatos estão mostrando, trata-se de uma anistia preventiva que, pela lógica, haveria de beneficiá-lo.
No discurso da Paulista, as palavras "pacificação", "conciliação"e "anistia" foram meros adornos. No conjunto, Bolsonaro é o mesmo de sempre, messiânico em benefício próprio. A anistia que ele propõe, como a que a esquerda defendia em 1965, pressupõe a capitulação de quem a concede.
A anistia assinada em 1979 pelo general João Figueiredo veio seis anos depois do último atentado do surto terrorista iniciado nos anos 60. Foi produto da exaustão, mas o regime não capitulou com ela.
Num caso de anistia quase instantânea, em 1956 Juscelino Kubitschek anistiou militares que, meses antes, haviam sequestrado aviões, internando-se na Amazônia. Em todos os casos, as anistias vieram junto com a deposição das armas pelos rebeldes. Assim foi desde as anistias oferecidas por Caxias no Império.
Aceitando-se a proposta de conciliação de Bolsonaro, anistia-se a infantaria golpista do 8 de janeiro, "os pobres coitados" e, por extensão, livra-se o Estado-Maior do golpe, cujos fios soltos a Polícia Federal vem puxando. Astuciosamente, a anistia congelaria as investigações. Nenhuma anistia foi preventiva.
A Conciliação patrocinada por Tancredo Neves veio da cultura histórica e da compreensão que ele tinha da realidade política. Mesmo tomando-se as anistias de JK, ele deu ao país o seu sorriso e grandes sonhos. Bolsonaro é de trato difícil e sua percepção da política nacional é primitiva. Mostrou isso tanto como deputado do baixo clero oposicionista, como presidente da República. Falando na avenida Paulista, louvou-se tanto como presidente quanto como deputado "muitas vezes, discursando para as paredes".
A manifestação da Paulista mostrou o vigor político do ex-capitão, mas sua proposta de pacificação tem pouca base, com objetivo puramente utilitário. Apesar de tudo, dando-lhe o benefício da dúvida, amanhã será outro dia e o modelo Bolsonaro Paz e Amor precisará mostrar outras cartas.
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