Diante da repercussão da morte de 47 cidadãos na Baixada Santista, o governador Tarcísio de Freitas desabafou: "Pode ir na ONU, no raio que o parta, não tô nem aí".
Esse é seu jogo e está jogado. Ampara-se num preconceito segundo o qual "bandido bom é bandido morto." Não há prova de que todos os 47 mortos fossem bandidos, mas eram todos pobres.
A qualquer momento o doutor pode entrar na pista para a sucessão presidencial de 2026. Como faltam quase dois anos, ele terá tempo para cuidar de outro caso de sua jurisdição.
O ex-tenente-coronel da PM paulista José Afonso Adriano Filho, encarcerado no presídio de Tremembé, onde cumpre desde 2017 uma pena de 52 anos por peculato e fraude em licitações, disse o seguinte ao repórter Rogério Pagnan:
"Todas as unidades [gestoras executoras da PM] têm caixa 2. Todas [as 104] têm. Quem falar que não tem está mentindo".
As denúncias do ex-tenente-coronel foram investigadas pela PM e arquivadas. Vá lá. Mas Adriano argumenta que a Corregedoria nunca rastreou o dinheiro das empresas vencedoras de licitações, nem as contas dos oficiais que denunciou. Ele informa que tem 194 documentos para provar o que diz e que entregou 14 aos investigadores em 2017, quando negociava uma delação premiada. Ela não foi aceita.
Tarcisio pode "não estar nem aí" para a ONU, mas pesa sobre a fala de Adriano uma urucubaca do presidente francês Georges Clemenceau (1841-1929) e vale repeti-la: "A Justiça Militar está para a Justiça assim como a música militar está para a música".
Afinal, o bordão segundo o qual "bandido bom é bandido morto" não prevê que morram só pobres.
A Greve e o Soldado
No seu resgate da história do Brasil através de canções, Franklin Martins trouxe à tona mais uma raridade. É o tanguinho "Greve e o Soldado", criado durante a greve geral de 1917 em São Paulo. Ele nunca havia sido gravado, e a partitura parecia perdida. José Ramos Tinhorão achou-a e passou-a ao Instituto Moreira Salles.
Nela, o soldado adverte:
-Vá se embora, sua greve
Se não entra no pau já.
E Greve responde:
-Não tenho medo do pau
E tampouco da morte!
Márcia Tauil, cantando como a Greve, Tico Moraes como o Soldado, e Farlley Derze ao piano, gravaram-na, e Martins colocou-a no seu site "Quem Inventou o Brasil". Nele estão mais de mil canções que contam a história de Pindorama.
Em junho e julho de 1917, 50 mil trabalhadores pararam em São Paulo. Era um tempo em que o senador Alfredo Ellis dizia que não se podia legislar sobre as horas de trabalho. Férias e repouso semanal eram sonhos.
O "pau" matou vários grevistas, e 10 mil pessoas acompanharam o caixão de um deles. A cidade tinha 300 mil habitantes.
Ao fim da greve, saiu um aumento de 20%, os presos foram libertados e, em tese, acabou-se o trabalho de mulheres à noite e o de crianças com menos de 14 anos.
Naqueles dias o czar Nicolau 2º já havia abdicado ao trono de todas as Rússias, Leon Trótski tinha saído de Nova York e chegado a São Petersburgo, mas estava preso.
Lênin deixou a Suíça num trem alemão, incentivou um golpe, fracassou e vivia escondido. Meses depois, tentaria de novo. O roceiro Emiliano Zapata legislava na Cidade do México.
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