Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás

Até onde vai o alcance das mensagens dos governantes

Medidas do governo tiveram impacto negativo na saúde da população

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Vários fatores podem interferir nas decisões que tomamos para nossa saúde.

Existe uma percepção que é individual e outra que pode ser compartilhada pelos contatos diretos —família, amigos e colegas de trabalho. Ainda, com maior alcance, temos a percepção influenciada por políticas públicas de saúde e propagada, frequentemente, por personalidades ou pessoas com grande poder midiático e multiplicador. Aí também estão incluídas as autoridades que apresentam as decisões em políticas de saúde coletiva.

A pandemia de Covid-19, por exemplo, deflagrou intensos debates sobre o melhor tratamento para a doença e sobre a adesão aos programas de vacinação. Ambas as questões foram contaminadas por grande interferência política.

Não foi um fenômeno só brasileiro. Detectado em diferentes países, estas interferências refletiram as conjunturas políticas de cada região.

Memorial na av. Paulista, em São Paulo, em homenagem às vítimas da Covid - Rivaldo Gomes/Folhapress

Mas até onde uma fala ou um posicionamento podem suscitar dúvidas a ponto de interferir no impacto de uma doença ou na adesão às vacinas em nível nacional?

Dados obtidos nos EUA demonstraram esse alcance. Não só capturaram maior mortalidade em locais de predomínio de eleitores do Partido Republicano, como também verificaram menor adesão às vacinas de Covid-19 em locais com predomínio de eleitores do então presidente Donald Trump.

No Brasil não foi diferente. Liderado por Diego Xavier, um trabalho realizado por pesquisadores da Fiocruz, UnB e UFRJ demonstrou que a mortalidade pela Covid-19, especialmente na segunda onda em 2021, foi maior em cidades com maior votação no presidente Bolsonaro, mesmo após levar em conta as desigualdades estruturais. O trabalho, publicado na revista The Lancet Regional Health - Americas, ressalta a evidência dos fatores que influenciaram a distribuição da mortalidade no país.

Um novo estudo realizado por pesquisadores da USP e do Hospital Albert Einstein, liderado pela professora Vivian Avelino-Silva, avalia o impacto na aceitação de vacinas. Regiões com maior porcentagem de votos no presidente Bolsonaro tiveram menor índice de cobertura vacinal, mesmo após ajustes para variáveis sociodemográficas. O trabalho, ainda não publicado, mostra que a relação está presente considerando-se tanto a eleição de 2018 quanto o primeiro turno de 2022.

Outro achado interessante é que esta relação se mostra tanto mais intensa quanto menor é o índice de desenvolvimento humano (IDH) do município. Fica bastante evidente a responsabilidade que as atitudes dos gestores têm na adesão da população às medidas preventivas, especialmente entre os mais desfavorecidos.

Não são impressões subjetivas. A mensagem oriunda do governo tem impacto direto na saúde das pessoas.

A maior mortalidade da Covid-19 e a menor taxa de vacinação poderiam ser minimizadas se o governo central tivesse tido uma postura que defendesse tratamentos eficazes e promovesse com mais ênfase a adesão às vacinas contra a doença.

Como acontece com as escolhas do corpo técnico para tantas outras áreas estratégicas da administração pública, assim deveriam ser também as escolhas para a gestão da saúde.

Parece bastante lógico que políticas de saúde não devem ser delegadas a pessoas que não sejam especialistas no assunto.

A complexidade dos problemas é enorme, bem como a implementação de medidas coletivas de soluções. Não cabe a quem não está tecnicamente preparado tomar ou interferir em decisões que causam impactos profundos em muitas gerações de todo um país.

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