Aos 83 anos, mãe de vários filhos e avó de muitos netos estava em tratamento após o diagnóstico de um linfoma, câncer que se origina nos gânglios linfáticos. Somado à quimioterapia, debilitou seu sistema de defesa a ponto de resultar em resposta muito fraca às vacinas, inclusive as usadas para prevenir a Covid-19.
Foi num encontro de família que o Sars-CoV-2 acabou infectando algumas pessoas, inclusive ela. O vírus parecia causar uma doença não tão grave, mas seu corpo não encontrava os meios de se livrar dele, mesmo com o auxílio dos medicamentos produzidos especificamente para este fim, como antivirais e anticorpos monoclonais.
Após algumas semanas, com o vírus ainda se multiplicando, a doença passou a agredir cada vez mais seus pulmões e seu estado geral foi piorando muito.
Quase três anos se passaram e muitos têm hasteado bandeiras de vitória sobre a pandemia. Com a vacinação e o ganho de imunidade após infecções naturais, o número de casos vem caindo no Brasil e no mundo. As medidas de isolamento estão praticamente postas à margem. Um número cada vez menor de pessoas usa máscara e o assunto vai saindo das pautas importantes do dia.
Quando é retomado, o debate versa mais sobre o impacto na economia, no ensino, nas atividades de lazer. Não conseguem esquecer, entretanto, aqueles que sofreram perdas irrecuperáveis, especialmente de familiares e amigos.
A forma como a sociedade havia projetado a saúde como prioridade vem perdendo força e foco. Muitos nem sequer imaginam o quão importante foi o investimento na estrutura dos hospitais para suportar a carga de doentes que faziam filas em suas portas. A atuação dedicada dos profissionais em tantas áreas da saúde é agora uma lembrança mais distante. E a importância fundamental das vacinas vem sendo esquecida. O uso da vacina bivalente, por exemplo, que também protege contra a variante ômicron, não ganhou qualquer prioridade dos gestores brasileiros. Até hoje, os tratamentos antivirais e anticorpos monoclonais eficazes não chegaram aos pacientes do SUS.
Na semana passada, 448 pessoas morreram de Covid-19 no Brasil. A maioria delas em situações parecidas com a da paciente acima. São os novos contornos da pandemia. Pessoas cujas doenças, ou idade avançada, não permitem uma resposta protetora eficaz, mesmo quando vacinadas. Com a ausência de tratamento antiviral na rede pública de saúde, ficam ao sabor da agressividade do Sars-CoV-2.
Muito provavelmente, a pandemia está aterrissando de seu voo devastador no Brasil, mas não para acabar completamente. Ao contrário, o vírus continuará sendo transmitido. Embora com muito menos agressividade entre os vacinados, afetará os mais idosos e doentes. Os números de novos casos e mortes devem estabilizar-se em níveis menores, caracterizando uma endemia.
Os pacientes portadores de deficiências no sistema imune chegam a 3% da população. No Brasil, seriam cerca de 6 milhões de pessoas, parcela considerável que permanece sob risco de desenvolver formas mais graves de Covid-19.
Quantas mortes pela Covid-19 poderemos tolerar? Não é novidade que muitas outras doenças preveníveis também atingem a população, resultando em internações e mortes. Gripe, Aids, doenças infantis, hepatites.
A discussão sobre quanto investimento é necessário no frágil sistema de saúde brasileiro não é simples, mas absolutamente imprescindível.
Os filhos se revezam para visitar a mãe que continua intubada, em estado grave, na UTI. As armas de combate ao vírus se esgotaram sem que ela dê sinais significativos de melhora. Esta é a nova cara da Covid-19.
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