Fabrício Corsaletti

Poeta e cronista, autor de "Esquimó" e "Perambule".

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Fabrício Corsaletti

Roubando

AÇÃO

1
Roubando paisagens de filmes idiotas. Espaços desperdiçados por detetives, adolescentes e caubóis. Rios de Montana. Praias caribenhas. Bares escuros com balcões de zinco. Que misturo à frustração e aos barbitúricos. Antes de me deitar, cheio de planos.

2
Paisagens desprezadas pela ação ou espaços indiferentes à tragédia?

NOIR

Pense nos fumadores de ópio do século 19, deitados feito canoas, navegando no rio da própria imaginação. Pense em panelas fumegantes na noite, em ruas cheirando a frango e especiarias, na fina “garoa que a luz de um poste revela”. Pense em lanternas cor de laranja, em chapéus em forma de quiosque, em ressacas sem analgésico nem chuveiro. Pense num quarto de paredes verde-claras, num corredor que denuncia cada passo, numa senhora que está sempre de olho. Pense em crianças gritando de fome, em gemidos de amantes no meio da tarde e em janelas com vidros sujos de poeira. Pense na lâmina de uma faca, na mão ligeira do inimigo, no sangue que começa a se espalhar. 

SÉRIES

Séries de crime. Noites preenchidas por imagens de corpos mutilados, sangrando. Massa encefálica grudada no azulejo. A cavidade do olho desencaçapado. As legendas não dizem “castrado”, mas “emasculado”. Os detetives não se alimentam, se identificam com o criminoso e esquecem de buscar o filho na escola. Você está obcecado com esse caso! Lembra o que aconteceu da última vez? Entre a delegacia e o lago da desova, um drone capta o pasto verde-escuro, uns bois peludos, uns muros de pedra. Irlanda? País de Gales? Portas vermelhas com aldravas cintilantes. Sinto vontade de entrar em todas essas casas. Passar muitas horas no pub da chantagem. Quebrar as câmeras. Inventar outra história. Celebrar a existência das janelas de vidro, das mesas de madeira e das sobrecapas com forro de lã.

Ilustração para a coluna Prosa/Poesia da revista sãopaulo
Romolo

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