Flávia Boggio

Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.

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Flávia Boggio

Enquadrar desculpa esfarrapada como estupro culposo é machismo doloso

Sigamos tentando escrever comédia, porque mulher fazendo humor é resistência

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Desde que esta página dedicada ao humor ampliou o espaço para colunistas mulheres, estou muito bem acompanhada das brilhantes Manuela Cantuária e Cláudia Tajes. Mas, às vezes, é difícil acordar pela manhã e pensar "vou fazer aqui a minha graça", com as cusparadas psicológicas que recebemos diariamente. A mais recente voou na terça-feira, com o tal "estupro culposo".

"Estupro culposo" entra na lista das grandes desculpas esfarrapadas do homem-hétero privilegiado, junto de "ela estava bêbada", "é menor, mas é bem saidinha", "ele é só um menino de 25 anos" e todas que começam com "mas também ela...".

Ilustração com vários elementos na cena. No alto, um homem com barba e cabelos longos vestindo um tapa olho segura uma balança em que três homens pesam mais do que uma mulher, ele aponta uma espada para a mulher. No lado da balança em que estão os homens, um outro homem prende correntes ligadas ao chão para garantir que este lado não suba. Ao lado, dois homens vestindo terno e cartola riem de toda a cena. Há dinheiro voando perto do homem que segura a balança
Galvão Bertazzi/Folhapress

No direito penal, crime culposo é o ato ilícito praticado sem intenção, geralmente por imprudência ou negligência. Por exemplo, o propósito da pessoa era apenas enfeitar o parapeito da janela, mas fez com que um vaso caísse na cabeça de um pedestre.

O mesmo não se pode dizer do estupro. Ainda é impossível um homem tropeçar em uma pedra e cair em cima de uma mulher com o membro enrijecido a ponto de, por acidente, estuprá-la.

Mas muita gente confunde as palavras culposo e doloso, o que é mais justificável do que não saber diferenciar sexo com ou sem consentimento. Vamos a alguns exemplos mais atuais, quem sabe agora fica mais claro:

O cargo do juiz Rudson Marcos, que acatou o argumento estapafúrdio do promotor, pode ser considerado um crime culposo. Provavelmente, algum presidente de tribunal escorregou com a caneta na mão e, acidentalmente, aprovou o sujeito para o cargo de juiz.

Outro exemplo é o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho. O "doutor" sem doutorado apela para argumentos da Idade Média, como afirmar que "jamais teria uma filha" do "nível" dela. Caso tivesse, seria uma paternidade culposa. Certamente, nenhuma alma gostaria de reencarnar como filha do embuste em questão.

A existência do réu inocentado pode ser também um crime culposo. O fato de ele não saber diferenciar se uma mulher está consciente ou não para autorizar o sexo faz de seu nascimento um terrível acidente. Uma imprudência do universo, que o colocou nesse plano terrestre apenas para gastar oxigênio.

Mas enquadrar seu caso como estupro culposo, aí sim, é machismo doloso.

E sigamos tentando escrever comédia, porque mulher fazendo humor é resistência.

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