Flávia Boggio

Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.

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Flávia Boggio

Pasternak quer proibir Doutores da Alegria e quem fala 'se Deus quiser'

Bióloga esquece que saúde também é bem-estar mental, o que inclui religião e cultura

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Além de morte, medo, isolamento e máscaras de crochê, a pandemia multiplicou o número de negacionistas.

Por causa deles, médicos e cientistas vieram a público contestar teorias estapafúrdias. Muitos se tornaram referência, até mesmo celebridades.

Mas o ego é como o bichinho fofo do filme "Gremlins", que, com um pouco de água, vira um monstro violento. Tanto que alguns desses especialistas se autointitulam os detentores oficiais do carimbo que define o que é ou não é ciência.

A bióloga Natália Pasternak, famosa por defender a ciência na pandemia, lançou o livro "Que Bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério". A obra ataca qualquer prática que não seja comprovada com dados estatísticos e compara psicanálise à crença em discos voadores.

Em artigo no jornal O Globo, ela criticou a resolução do Conselho Nacional de Saúde de incentivar parcerias entre religiões de matrizes africanas e serviços de saúde e comparou os cultos à ozonioterapia.

Além do preconceito, a bióloga deixa claro que não usou nenhum método científico para escrever o artigo, poucos dias depois do assassinato de uma líder do candomblé.

Também não cita verdadeiras feitiçarias da medicina, como "chips da beleza", anfetamina para crianças e opioides para tratar até unha encravada.

Na ilustração de Galvão Bertazzi temos um bando de cientistas, homens e mulheres, todos com jalecos brancos. Eles estão ajoelhados com as mãos pra cima, como num culto religioso. Ao fundo duas cientistas segura tochas acesas. No meio de todos eles, duas bruxas queimam na fogueira, como faziam na Idade Média.
Ilustração de Galvão Bertazzi para coluna de Flávia Boggio de 23.ago.2023 - Folhapress

Como defensora do selo "100% ciência", Pasternak esquece que saúde também é bem-estar mental, o que inclui religião e cultura, muito além de um diagnóstico e um remédio.

Se continuar assim, é capaz de recriminar qualquer um que diga "Se Deus quiser", pois a existência de Deus não foi comprovada cientificamente, muito menos se ele quer alguma coisa de nós.

Os Doutores da Alegria serão banidos de hospitais, pois são palhaços, não doutores. O filósofo Sartre entrará na lista de negacionistas, pois cientistas já comprovaram que palavras não são pistolas carregadas e que o inferno não são os outros, pois o inferno não existe.

Quem pular onda no Ano Novo, em vez de Iemanjá, verá a própria Pasternak saindo do mar, dizendo que rituais não são comprovados cientificamente.

O país terá que se contentar com especialistas que repetem palavras como "ciência", "comprovação científica" e "dados quantitativos" como mantras, agindo, eles sim, como fanáticos religiosos.

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