Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Giovana Madalosso

Existe vida após a Shein

A loucura em torno da loja convida a sociedade a se olhar no espelho

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Algumas consumidoras brasileiras já estão afiando as unhas para cravar na jugular de outras. Este ano, a rede chinesa de moda Shein, gigante do e-commerce, inaugura quatro lojas pop-up no Brasil e, se for como a abertura da unidade de São Paulo, não sobrará blusa sobre blusa.

Os relatos de fila de 7.000 pessoas, agressão física na abertura das portas e consumidoras acampando às três da manhã em frente à unidade de São Paulo nos convidam a olhar no espelho.

Fila na inauguração da primeira loja física da Shein no mundo, no Shopping Vila Olímpia, zona sul de São Paulo - Zanone Fraissat - 16.nov.2022/Folhapress

O que alguns desses corpos buscam é, numa camada mais superficial, roupas que possam vesti-los. A maioria das marcas brasileiras reflete uma gordofobia generalizada e só produz peças para mulheres magras, enquanto a Shein oferece até o tamanho 60.

Poderíamos falar também em preço, mas essa é apenas a pátina que encobre outras questões mais profundas. Como o esforço, sempre insuficiente, que as mulheres fazem para se enquadrar em padrões, alimentadas pela ilusão de que colocando aquele botox, vestindo aquela roupa nova, serão mais amadas, enquanto os homens seguem cultivando, sem constrangimento, suas pregas na pele e seus trajes insossos –eles têm razão de se permitirem esse visual ou qualquer outro, só acho uma pena que a mesma condescendência não se aplique a quem se identifica como mulher.

Por baixo da blusa cropped e do creme anticelulite, há também o vazio de se viver em um sistema que fracassou. A maioria das pessoas passa a semana trabalhando em excesso, arrastadas pela competitividade e pelas promessas da meritocracia para, nas horas vagas, desfrutar do paraíso: shoppings cheios de gente se acotovelando para ver vitrines —programa triste, mas compreensível, já que muitas cidades, como São Paulo, urbanizadas em função do consumidor, não do cidadão, não oferecem muitas opções de parques e outros espaços públicos.

Para piorar, a moda é um dos setores que mais emitem carbono. E roupas de fast fashion, como as da Shein, ainda mais: geram 400% mais emissões do que peças comuns. Ao comprarmos roupas por impulso ou sem saber como foram produzidas, ainda estamos plantando hoje a nossa angústia climática de amanhã.

Esta colunista está sugerindo que passemos a usar vestidos feitos com remendos de ecobag? Com certeza não, até porque também sou de carne e osso e tenho meus arroubos de consumo.

Podemos brigar por aquela blusinha, mas que valha o suor derramado. Que seja por uma peça que não envolva exploração de mão de obra (há relatos de jornadas de 18 horas nas fábricas da Shein) e que a gente realmente vá usar ou, melhor ainda, que já tenha sido usada por outra pessoa, como as roupas de brechó; únicas, baratas, de todos os tamanhos, sem emissão de carbono e sem necessidade de pernoite em chão de shopping. Ou mesmo peças feitas a partir de usadas, o já famoso upcycling, que promete crescer exponencialmente nos próximos anos.

Existe vida após a Shein. E essa vida pode ser menos individualista, mais bonita e alinhavada para todas as pessoas.

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