Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Giovana Madalosso
Descrição de chapéu clima

O dia em que abracei uma árvore

Além de sequestrar o dióxido de carbono da atmosfera, elas baixam a temperatura do seu entorno de forma significativa

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Tenho uma amiga chamada Antônia que abraça árvores. A primeira vez aconteceu em um retiro. Desde então, pegou gosto pela coisa. Quando rola alguma festa ao ar livre, ela dá uma reconhecida no território, olha de soslaio para as espécies do local e, depois de um ou dois drinques, quando todo mundo já está se soltando, ela também se solta e atraca o tronco. De um tempo para cá, a coisa se normalizou tanto que, quando vai rolar evento em lugar aberto, ela já vaticina: vou pegar geral.

Eu achava estranho. Até ontem, quando estive em uma palestra que o cientista Paulo Nobre deu para os vereadores de Curitiba. Paulo é um dos maiores especialistas brasileiros em mudança climática e sabe muito bem que nenhum milagre vai nos tirar dessa fria —ou quente, dependendo da região.

Aquela proposta cinematográfica de borrifar dióxido de enxofre na atmosfera para capturar carbono, deixando o céu vermelho, não vai rolar. E, embora Jeff Bezos esteja tentando com afinco, ainda não conseguiu transformar Marte num terreninho habitável com apartamentos de dois quartos à venda pela Amazon. Temos, portanto, que nos virar com o que temos.

Pensei que Paulo Nobre apresentaria sugestões complexas para aliviar o aquecimento, mas o que o cientista recomendou foi investir no maior sistema de refrigeração já inventado: as árvores. Tantos sistemas operacionais e algoritmos depois e ainda não criaram nada mais eficiente —o que só mostra, mais uma vez, o quanto devemos nos curvar, repetidamente, para a natureza.

Além de sequestrar o dióxido de carbono da atmosfera, as árvores conseguem baixar a temperatura do seu entorno de forma significativa, reduzir enchentes e ainda mitigar a poluição do ar e sonora. E todo esse serviço de graça.

Curitiba já vinha botando a mão na terra. É a cidade brasileira com maior área verde: 60 metros quadrados por habitante —se a mania da minha amiga Antônia pega, a capital paranaense tem chance de virar referência em turismo pansexual no país.

Para se ter ideia, existem localidades com apenas 0,5 metros quadrados de área verde por habitante. Em um desses lugares, o morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, a comunidade, junto a urbanistas egressos de Harvard, teve a iniciativa de construir um parque onde antes havia um depósito de lixo.

Além de dar uma refrescada na área, o parque virou um ponto de encontro, o que não é pouca coisa em lugares abandonados pelo poder público, onde as opções de lazer são tão escassas quanto uma pitangueira.

Considerando que hoje mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas e que, dentro de trinta anos, um terço da população mundial vai morar em favelas, a proposta de plantar árvores como se não houvesse amanhã (haverá?) faz ainda mais sentido. Talvez por isso Paulo ainda empenhe seu tempo precioso rodando o país para passar essa mensagem tão poderosa e singela.

Quando saí da palestra, com tudo isso na cabeça, deparei-me com um dia atipicamente quente para abril. No centro árido da cidade, sob um sol inclemente e já com a pressão baixa, abriguei-me sob um jacarandá.

Tomada por inesperada gratidão e curiosa para saber o que Antônia sentia, passei um braço por aquela cintura áspera. Mais um grau de aquecimento e teria dito te amo.

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