Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

Generais de pijama brincam de médico com a democracia

Não faz o menor sentido continuar bancando uma classe ociosa que se acha no direito de escolher seu chefe

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

"Eu era um médico sem doente. A missão de paz foi o doente da minha carreira", diz o general Heleno, sobre a missão haitiana que começou em 2004. A frase está no excelente livro "Poder Camuflado", do Fabio Victor, que há anos estuda os generais, esse bando de médicos à procura de um doente.

A frase do general diz tudo. Pra começar, se o Brasil foi um médico no Haiti, não sei se foi o Abdelmassih ou o Doutor Bumbum. Basta ver o estado em que deixamos o país. Inventamos um tipo novo de medicina, que consiste em inocular doenças novas no paciente: 30 mil haitianos morreram de cólera em 2010, doença até então inédita no país. E pior: mais de 2.000 denúncias de estupro por parte dos militares, 300 das quais envolvendo crianças. Alguém precisa cassar o CRM do Heleno.

Uma pirâmide de soldadinhos de chumbo de brinquedo envolta de teias de aranha e algumas aranhas. No topo da pirâmide um dos soldados de chumbo segura uma bandeira do Brasil.
Ilustração de Catarina Bessel para coluna de Gregorio Duvivier - Catarina Bessel

Mas o que mais choca na metáfora de Heleno é a sinceridade com que confessa ter servido por décadas a uma corporação sem serventia nenhuma. E que só encontrou sua função na vida quando foi morar no exterior, igual a um jovem herdeiro que precisa ir a Katmandu para encontrar o sentido da vida.

A frase explica também o ócio criativo que tomou conta das Forças Armadas depois de dar cabo do paciente haitiano. Novamente sem função, passou a procurar doentes em território nacional, pra também abreviar sua vida de forma espetacular. A intervenção militar no Rio de Janeiro trouxe (assumidamente) essa expertise da tropa haitiana pra cá. Até que resolveram brincar de médico de verdade, assumindo o Ministério da Saúde durante a pandemia. "Eu nem sabia o que era o SUS", assumiu Pazuello, risonho. Deu no que deu.

A Costa Rica aboliu seu Exército há 70 anos e investiu todo o orçamento de defesa em saúde e educação. Hoje tem um dos maiores IDHs da América Latina. E mais: desde que aboliu o Exército nunca mais sofreu um golpe de Estado. Descobriram na prática que sustentar uma classe ociosa de oficiais armados não faz bem à democracia. Mente vazia, oficina do voto impresso.

O Brasil tá quebrado. E cheio de doente precisando de médico (de verdade). Não faz o menor sentido continuar bancando uma classe ociosa que, pra piorar, ainda se acha no direito de escolher seu chefe. "Militares preferem Aldo, aceitam Jobim, rejeitam Lewandowski", diz a reportagem da Folha. Sim, eu também preferia que não chovesse no final de semana. Infelizmente meu desejo tem a mesma ingerência sobre o clima que um militar deveria ter sobre o ministro da Defesa.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.