Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier

Hay que golear - mas sem perder a ternura jamais

As divindades do esporte premiam as disputas suadas e as seleções humildes

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"Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro)" diz o Ruy Guerra, no "Fado Tropical". "Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora."

Eu me lembrei do Ruy no jogo desta segunda. Fizemos quatro gols no primeiro tempo. Daí no intervalo a ficha caiu. "Onde é que a gente estava com a cabeça? Que grosseria. O que vão pensar da gente?" Voltamos pro jogo com a missão de conter danos, quem sabe deixando a Coreia fazer um golzinho.

Sabe quando é quando faríamos um oito a zero? Nunca. Não é a nossa praia. Pra que? Pra ficar um climão? Já ganhou, não precisa trucidar. Não somos alemães.

Ilustração do troféu da Copa do Mundo com o jogador Richarlison no topo
Ilustração de Catarina Bessel para coluna de Gregório Duvivier - Catarina Bessel

A seleção, mesmo quando está no auge, não tem vocação pra goleada. Somos o país que mais vezes foi campeão, mas não temos quase nenhum massacre no currículo. Nunca chegamos nem perto dos dez gols que a Hungria botou em 1982 contra o El Salvador, ou dos nove gols que a Iugoslávia colocou contra o Zaire em 1974.

Nossas últimas vitórias elásticas tem sete décadas. Tivemos um sete a um contra a Suécia, jogando em casa, em 1950 —na mesma copa em que ganhamos de seis a um da Espanha. Na Copa seguinte, ganhamos do México de cinco a zero —e perdemos, de novo, a Copa. A partir daí, nunca mais ganhamos com mais de quatro gols de diferença. E a partir daí, ganhamos cinco copas do mundo.

O que o Brasil percebeu foi que os deuses do futebol não gostam de goleada. As divindades do esporte premiam as disputas suadas e as seleções humildes. Hungria e Iugoslávia, as maiores goleadoras da história, nunca foram campeãs.

O orgulho desmedido, no futebol como na tragédia grega, é severamente punido —e tenho dúvidas se o sete a um que tomamos em casa não foi uma reprimenda pelo sete a um que tínhamos aplicado na Suécia 60 anos antes, também em casa (sim, a justiça divina tarda mais do que a brasileira). A Alemanha, depois de meter sete gols na gente, nunca mais foi campeã —nem sequer passou da fase de grupos. Vem aí um jejum de pelo menos sete copas.

"A dancinha de Vinicius Jr. foi desrespeitosa", reclamou o Roy Keane, ex-jogador irlandês —famoso pela truculência em campo. Meu amigo, desrespeitoso seria fazermos os oito gols que merecíamos. A dancinha de comemoração não é chacota, é só alegria.

Torcendo pra que o Brasil nunca perca a humanidade no futebol —ou as dancinhas, que são a mesma coisa. O Brasil está merecendo um hexa pelo futebol, mas também pela ternura.

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