Helio Beltrão

Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

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Helio Beltrão

Sardinhas em risco

Apetite voraz pode arruinar pequeno trader

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A tipologia do mercado financeiro classifica dois tipos de “traders” de curto prazo: tubarões e sardinhas. Os tubarões, “traders” profissionais, se alimentam das sardinhas, novatos desejosos de ganhar dinheiro rápido.

Os tubarões requerem um fluxo contínuo de cardumes frescos, repletos de tolinhos. O tolinho e seu dinheiro se apartam muito facilmente.

Para incitar esse divórcio lucrativo, há uma cadeia de suprimento muito bem remunerada que incentiva o “day trade” e o “swing trade”, composta pelas corretoras, pelos bancos e por “educadores” de YouTube e Twitter. Não estão ali para alimentar a sardinha.

O corretor ganha mais com o spread de compra e venda e comissões do que ajudando a sardinha a lucrar. O educador ganha mais com a venda de cursos de “day trade” do que com “day trade”. O banco ganha mais suprindo alavancagem para o giro do que com sua mesa de “trading” proprietário.

O esquema é que a sardinha compre e venda com maior volume e frequência até perder tudo. A embalagem é em geral uma determinada estratégia, geralmente a leitura de um gráfico.

O tubarão age parecido com o investidor de longo prazo: quer preservação de seu capital e rendimento saudável, exige diversificação, mede risco continuamente, opera com posições vendidas bem como compradas e analisa os fundamentos do ativo investido.

Já a sardinha, com metas surrealistas, acha que diversificação é para os fracos e que gestão de riscos é para amadores. Opera quase exclusivamente com posições compradas e não se importa com a empresa investida ou seu fundamento. Reage a uma piscada na tela, nota que a linha verde cruzou a linha azul por baixo, verifica o “candle stick”, checa a dica do guru. “Tenho talento no ‘day trade’!”, diz a sardinha, toda prosa.

Vivenciamos o primeiro grande cardume de sardinhas frescas: são quase 1,5 milhão de novos brasileiros com ações nos últimos 12 meses. Pouquíssimas sardinhas —dotadas de confiança injustificada e disciplina de aprendizado— ganham consistentemente ao longo do tempo. A proporção de sardinhas espertas é similar à proporção de jogadores de pôquer vencedores.

O início da quarentena e o conexo tempo livre coincidiram com o momento em que o CDI e a poupança passaram a render abaixo da inflação. Como o jovem sabe que a pirâmide da Previdência Social não o contemplará em sua aposentadoria, resolveu tomar conta de seu destino enquanto afortunadamente a Bolsa subia.

A sardinha fresca se julga genial por antecipação: “Para que investir em fundo que rende CDI mais 5% ao ano se posso comprar Via Varejo, que subiu 300% desde março?”, pergunta, sorrindo.

Mas, ao decidir unir-se à corrente oceânica sardinhesca, desiste se tornar investidor de longo prazo e embarca no charmoso “day trade”, no qual espera lucrar rápido sem entender os perigos da alavancagem de cem vezes oferecida pelas corretoras nos contratos de minidólar: 1% de oscilação e a sardinha perde tudo.

Há algumas vantagens em começar como sardinha: o aprendizado sobre mecanismos e psicologia do mercado, sobre as ferramentas, relatórios e dados usadas pelos tubarões, sobre técnicas de “stop loss”, sobre os perigos da alavancagem.

Porém, o sujeito que assistiu a 15 vídeos aleatórios e participa de grupos de WhatsApp com “dicas quentes” se julga sardinha esperta. Não escapa à regra dos 90: 90% das sardinhas perdem 90% de seu capital em até 90 dias. São “stopados” por suas famílias ou pelo Serasa. Charmoso é ganhar dinheiro.

Os atuais tempos difíceis exigirão trabalho duro e poupança. Fariam melhor as sardinhas em cuidar de preservar o patrimônio do que sair por aí com fome de tubarão.​

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