Helio Beltrão

Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

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Helio Beltrão

Europa em sinuca de bico

Refém de Itália e Grécia, BCE segue imprimindo euros e alimentando a inflação

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Em 1989, estourou a maior bolha financeira de todos os tempos: da Bolsa e dos imóveis japoneses. Após uma década de estímulos monetários, os preços de imóveis alcançaram a estratosfera. Os Jardins Imperiais, no centro de Tóquio, (apenas 1 km²), valiam mais que todos os imóveis da Califórnia juntos. O índice Nikkei, da Bolsa japonesa, jamais se recuperou e ainda está 30% abaixo do pico de 1989.

O estouro foi arrasador para a poupança dos japoneses e para a economia.

Recordo-me de apenas um investidor que navegou bem a bolha, ao identificar uma companhia aérea japonesa com patrimônio líquido negativo, ou seja, a contabilidade indicava mais dívidas do que bens. Mas a companhia detinha um imóvel no centro de Tóquio, cujo valor de mercado era muitas vezes superior ao valor contábil. O investidor comprou a companhia, vendeu o imóvel, saldou as dívidas e embolsou uma bolada.

Cédulas de euro - Gabriel Cabral - 24.jan.2019/Folhapress

Assustado com o cenário devastador, o Banco do Japão concebeu instrumentos não convencionais, que foram copiados pelos demais bancos centrais após a crise de 2008 e intensificados com a pandemia. A novidade pouco percebida é que esse experimento mundial de prestidigitação monetária está se esgotando devido ao rebento que pariu: a inflação.

A volta de juros reais positivos para combater a inflação galopante pode comprometer a estabilidade financeira e econômica. Alternativamente, caso os bancos centrais sentem nas mãos e permitam que a inflação prossiga em alta, uma recessão arrasadora parece inevitável. Se correr, o bicho pega, se ficar, a inflação come.

A artilharia dos bancos centrais nos últimos 15 anos incorporou as seguintes armas novas de injeção em massa: 1) Zirp (política de juros zero, inaugurada pelo Japão em 1999), 2) QE (controle da quantidade de dinheiro, desde 2000) e, mais recentemente, 3) tabelamento dos juros de longo prazo, o yield curve control (2016). São políticas de injeção de dinheiro novo nos bancos e na economia, com o intuito alegado de combater a inflação baixa.

No entanto, o mercado entende que os propósitos não oficiais dos principais bancos centrais têm sido a) sustentar os preços de ações, b) atenuar (ou tentar extinguir) o chamado ciclo econômico, c) criar dinheiro para os respectivos governos. De fato, sempre que pintou uma crise nos bancos ou na Bolsa, as armas foram detonadas. E os bancos centrais têm monetizado déficits públicos, revelando-se independentes só no papel.

Com as injeções para combater a pandemia, ocorreu uma raríssima sincronização do ciclo econômico no mundo. A inflação agora sobe simultaneamente em quase todos os países, até no Japão. Quase todos os bancos centrais já iniciaram ou anunciaram altas de juros, a exemplo de Brasil, Reino Unido, Canadá, Austrália e Estados Unidos.

A notável exceção é o Banco Central Europeu, que tem combatido a inflação apenas com retórica vazia. No ano passado, abandonou a histórica meta de inflação, "abaixo de 2%", e adotou meta de inflação "próxima a 2%" (pode flutuar acima por longo período). A nova atitude "cordeirinho" ("dovish") do BCE de Christine Lagarde jogou a inflação para mais de 5%.

Na Europa, os salários estão "grávidos" dessa inflação ao consumidor, que, por sua vez, está "grávida" da inflação no atacado, que tem rodado acima de 20%.

A sinuca de bico do BCE é real. O início da alta dos juros pode elevar em demasia o custo de captação dos governos da Itália e da Grécia (e derrubar os preços dos títulos de renda fixa), criando uma situação parecida com a crise existencial do euro de dez anos atrás. Mas, caso o BCE siga financiando déficits da Itália e da Grécia e praticando juros zero, a espiral inflacionária preços-salários-preços entrará em ação.

Something’s gotta give. O investidor prudente tem alterado sua carteira do kit "risk on" para o "risk off".

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