Helio Mattar

Diretor-presidente do Instituto Akatu, foi secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério da Indústria e Comércio Exterior (1999-2000).

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Helio Mattar
Descrição de chapéu

A forma de consumir pode contribuir (e muito) para enfrentar o aquecimento global

Tudo o que compõe nosso estilo de vida provoca, em seu processo produtivo, a emissão de carbono

Navio transporta contêineres de produtos
Navio transporta contêineres de produtos - Getty Images

Diante da natureza, todos nos sentimos pequenos. Mais ainda quando se trata de fenômenos naturais violentos como é o caso de tufões e furacões, sentidos como manifestações de uma força maior que não podemos evitar. É verdade que esses fenômenos sempre existiram. Mas é cientificamente indiscutível que, nos últimos anos, houve um aumento na incidência e na intensidade deles, sendo cientificamente comprovado que isso decorreu da ação humana.

A emissão dos chamados “gases de efeito estufa (GEE)”, em quantidades exponencialmente crescentes após a revolução industrial, foi e é responsável pelo aquecimento global causador das mudanças climáticas que temos testemunhado em diversas partes do planeta.

A conclusão dos cientistas é que o aquecimento global traz consigo a tendência do clima ser imprevisível e extremo. Como exemplo, longas estiagens ou chuvas excessivas vêm ocorrendo em locais que antes desconheciam tais fenômenos. Temos visto tais ocorrências em diversas regiões do Brasil como em Brasília (DF) e seu entorno, nas regiões Sudeste e Nordeste, que têm sofrido com a falta de água, enquanto chuvas torrenciais causam transtorno na região Sul do país. Somente no Distrito Federal, o prejuízo causado pela seca na agricultura foi de R$ 600 milhões em 2017, segundo estimativa da Secretaria da Agricultura. Naturalmente, este impacto acaba por refletir no bolso e na mesa da população, que paga mais caro pelos alimentos que consome.

Luiz Marques, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), faz uma síntese do que aconteceu no ano passado, mostrando a gravidade do quadro de aquecimento global. Aponta que “os 20 anos mais quentes dos registros históricos, iniciados em 1880, ocorreram justamente nos 20 anos decorridos entre 1998 e 2017. E os 4 anos mais quentes dessa série de 137 anos incidem no quatriênio 2014-2017”. Afirma que há uma aceleração das mudanças climáticas e que 2017 quebrou vários recordes: “2015, 2016 e 2017 foram confirmados como os três anos mais quentes dos registros globais, sendo que 2017 foi o ano mais quente sem um El Niño, o que se traduziu em ondas de calor sem precedentes”. A referência ao El Niño se deve ao fato de que esse fenômeno contribui para a mudança climática, tornando ainda mais significativo o fato de 2017 ter sido o ano mais quente da história mesmo sem a incidência do El Niño. Além disso, aponta Marques, “o ano de 2017 quebrou recordes também no que se refere a eventos meteorológicos extremos e inundações”.

Mais do que isso, a nova versão do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em sua versão preliminar, trouxe dados que indicam que a primeira meta do Acordo de Paris, de limitar o aumento da temperatura a 1,5°C, não é algo para um futuro distante, pois deverá ser ultrapassado ainda na próxima década. É isso mesmo, nos próximos 10 anos! Com isso, infelizmente, nosso cotidiano será cada vez mais afetado pelas mudanças no clima.

Mas, por que descrever esse quadro em uma coluna que trata do consumo consciente? Porque, na verdade, o estilo de vida na maioria das sociedades assim chamadas “desenvolvidas” é um dos principais determinantes do aquecimento global. Tudo o que se consome, e que compõe nosso estilo de vida, provoca, em seu processo produtivo, a emissão de carbono. Tudo o que vem da natureza exige o uso de energia e água para ser transformado em produtos, para ser distribuído, para ser utilizado e, até mesmo, para ser descartado, levando hoje a se demandar do planeta 60% a mais do que ele é capaz de fornecer, levando a desequilíbrios que, em última instância, prejudicam o ambiente em que todos vivemos.

O aquecimento global é um desses desequilíbrios, causado pelo uso da terra que, ao ser revolvida para a produção agrícola, libera carbono; pelo desperdício de alimentos que, ao se decompor, libera metano, um GEE que é 21 vezes mais poderoso do que o gás carbônico; pelo uso de energia na produção e no transporte de todos os bens e serviços que são consumidos. Somados, a agricultura, a produção de energia e o setor industrial são responsáveis por 70% das emissões mundiais de gases de efeito estufa, segundo a Agência de Proteção do Meio Ambiente dos Estados Unidos (EPA).

A percepção das pessoas, na maior parte das vezes, é de que a mudança no comportamento individual ou de pequenos grupos é irrelevante para fazer frente a um fenômeno tão abrangente e de tal intensidade como o aquecimento global. Essa afirmação é equivocada. Como a oferta de produtos e serviços acompanha a demanda pela população, cada um de nós, como consumidores que somos, tem uma grande oportunidade de contribuir para combater as mudanças climáticas. Pequenas atitudes fazem uma enorme diferença quando praticadas por várias pessoas ao longo de um grande período de tempo. Mais que isso, o nosso comportamento é exemplar para os nossos familiares e amigos, de forma que o nosso modo de consumir influencia o dessas pessoas e pode ser um agente catalisador de mudanças positivas em certa escala. E tal escala será ainda maior se ativamente buscarmos mobilizar outras pessoas a consumirem de forma consciente.

E as atitudes voltadas a diminuir as emissões de gases de efeito estufa são simples e cabem, sem transtorno, dentro do cotidiano de cada um sem afetar o seu bem estar. Por exemplo, ao se substituir o carro por caminhadas em trechos curtos (1,5 km total) – indo à padaria para comprar pão, por exemplo – cinco vezes na semana, ao longo de uma vida (75,5 anos), cada um de nós evitará a emissão de uma quantidade de GEE equivalente à emitida na produção de energia elétrica para uso de uma residência por 41 anos! Além dos benefícios para a saúde do corpo, da mente e financeira.

Evitar as compras por impulso na compra de roupas, por exemplo, não apenas contribui para enfrentar o aquecimento global, mas também para o nosso bolso. Basta pensar que a “vida” de uma camiseta, considerando a plantação do algodão, sua colheita, sua transformação em tecido, a produção da peça e o seu transporte até o armazenamento nas lojas, gera 1,4 quilogramas de GEE. Essa quantidade é equivalente às emissões provocadas pela locomoção de uma pessoa por uma semana indo de metrô para o trabalho, faculdade ou escola. Seguindo essa lógica, a produção e transporte de cinco camisetas usadas nos dias úteis de uma semana causam, antes mesmo do produto chegar em nossa casa, a emissão da mesma quantidade de GEE que seria emitida para a sua locomoção neste trajeto durante um mês e meio! Dado que é preciso limitar a emissão de carbono ao mínimo possível, ao escolher onde contribuir para a
emissão de GEE, a locomoção é certamente mais importante do que mais uma camiseta. Não é?

E mesmo na hora de fazer o prato, cada um de nós pode dar a sua contribuição na luta contra o aquecimento global. Basta ver que, globalmente, as emissões de carne bovina equivalem a 6% das emissões globais de origem humana, o que equivale a mais de metade das emissões anuais da União Europeia, segundo relatório da Climate Focus de 2017. Que tal escolher um dia da semana para evitar o consumo de carne bovina? Ou substituir o consumo de carne bovina por outros tipos de proteína? É um bom começo para quem quer praticar um consumo mais consciente dos alimentos, com menor impacto ambiental negativo. Outra ação simples é rejeitar os canudinhos plásticos e evitar o uso de copos descartáveis e de outros produtos plásticos de uso único. Dado que a maioria do plástico produzido no mundo ainda é proveniente de fontes fósseis, é também uma forma simples de contribuir para evitar
o aquecimento global.

A mudança em algumas maneiras de consumir cotidianamente, considerado o seu impacto ao longo da vida de cada um e daqueles que se miram no nosso exemplo, pode dar uma contribuição significativa para o combate às mudanças climáticas. Concluindo, para usar um termo da moda, o consumidor “empoderado” é capaz, sim, de ajudar a reduzir o ritmo do aquecimento global. Se nada for feito, como
escreveu o professor Luiz Marques, “os jovens, que sofrerão em breve as consequências brutais desse consumo, terão razão de desprezar a atual geração de adultos, a primeira que pode saber cientificamente o que o futuro nos reserva e a última que ainda pode fazer algo para evitá-lo, mas está preferindo deixar um legado de indiferença ou de retóricas tranquilizantes de ‘desenvolvimento sustentável’.”

*O limite estabelecido pelo Acordo é um aumento de 2°C acima de níveis pré-industriais, e realizar esofrços adicionais que possibilitem em limitar o aquecimento ainda mais, em 1,5°C.

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