Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Descrição de chapéu

A cor certa

Cozza nem sequer pôde demonstrar se seu talento a credencia para interpretar Ivone Lara

Fabiana Cozza durante coquetel de abertura da 'Ocupação Dona Ivone Lara', no Itaú Cultural, em maio de 2015
Fabiana Cozza durante coquetel de abertura da 'Ocupação Dona Ivone Lara', no Itaú Cultural, em maio de 2015 - Greg Salibian - 5.mai.15/Folhapress

O racismo é moralmente condenável porque atribui a um indivíduo particular características tidas como representativas da categoria a que ele pertence. A mente do racista tira conclusões sobre pessoas antes mesmo de conhecê-las e interagir com elas. E, se os estereótipos relativos ao grupo de que o sujeito faz parte são negativos, ele já dá a largada em grande desvantagem —o que é profundamente injusto.

Diante disso, a atitude antirracista por excelência é sustentar que as pessoas, independentemente das marcas fenotípicas que carreguem, devem ser tratadas de forma igualitária e só podem ser julgadas pelos vícios ou virtudes que apresentem enquanto indivíduos, não pelas características atribuídas ao seu grupo.

É essa atitude antirracista por excelência que setores do movimento negro não tiveram com a artista Fabiana Cozza, que havia sido escalada para interpretar a cantora e compositora carioca Ivone Lara (1922-2018) num musical que deverá estrear em setembro no Rio de Janeiro. No entender desses militantes, Cozza, filha de pai negro e mãe branca, não tem melanina suficiente para representar Ivone Lara.

A intensidade dos protestos contra a escolha de Cozza nas redes sociais foi tamanha que fez com que a artista desistisse de atuar. Ela foi julgada por sua cor e nem sequer teve a chance de demonstrar se seu talento como atriz e cantora a credenciam para o papel —o que é profundamente injusto.

Entendo que o movimento opera com simbolismos e precisa pautar as muitas discussões de sua atribulada agenda, incluindo o colorismo, que são as diferentes cargas de discriminação a que negros estão sujeitos dependendo do tom de sua pele. Mas é profundamente lamentável que os militantes coloquem seus objetivos propagandísticos à frente do que deveria ser uma linha vermelha para todo ativismo antirracista, que é jamais discriminar uma pessoa, em especial uma mulher negra, por não ostentar a cor certa.

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